18 janeiro 2007

E agora, Henrique?! - conclusão

Krishnamurti nasceu em maio de 1895 ao sul da Índia, perto de Madras. Foi o oitavo filho de uma família de brâmanes e recebeu este nome em homenagem a Krishna. Um menino que, desde muito jovem, aspirava àquilo que está além da simples vida material; dotado de uma natureza excepcionalmente voltada para a busca interior. Nasceu com este dom, desenvolvido ainda mais, segundo seus biógrafos, com a ajuda da mãe. Aos seis anos já estava firmemente consolidado naquele que seria o propósito único da sua vida: A busca pela Verdade.

Por volta de 1904, quando Krishnamurti, então com 9 anos, brincava na rua com seu irmão mais novo, um dos chefes da Sociedade Teosófica (de Madame Blavatsky) de Adyar, que passava por ali, se interessou por ele. Acabou por levá-lo para conhecer a célebre Annie Besant, então presidente da Sociedade Teosófica. Mme. Besant, admirada com suas qualidades, adotou-o e passou a dirigir seus estudos. Em 1910 foi mandado para Londres.

Nessa mesma época os chefes da Sociedade Teosófica fundaram a "Ordem da Estrela do Oriente", cuja finalidade era agrupar espiritualistas do mundo inteiro na espera de um "grande instrutor". Krishnamurti logo foi declarado chefe da Ordem. Foi nessa época que ele escreveu seu primeiro livro, sendo que uma frase deste livro já resumia parte do seu ensinamento futuro:

A superstição é um dos maiores flagelos do mundo, um dos entraves dos quais é preciso se libertar inteiramente”.

É bom lembrar que isto foi escrito por um rapaz de 14 anos(!). Em 1911, com 16 anos, escreveu um segundo livro: "O Serviço na Educação". Ele estava ainda em Londres, e a aproximação da guerra criava um clima tenso na Europa. Consciente da responsabilidade individual de todo ser, escreveu neste novo livro:

Um crime não deixa de ser um crime se for cometido por muitas pessoas”.

Foi também nessa mesma época, ainda criança, que Krishnamurti começou a falar em público. Suas conferências em pouco tempo tornavam-se cada vez mais numerosas. Mas, enquanto todos os chefes da Sociedade Teosófica enxergavam nele o futuro "Grande Instrutor", capaz de agrupar as diferentes correntes espirituais do mundo, Krishnamurti se revelava um “rebelde”. Mais tarde ele mesmo viria a explicar as razões dessa revolta:

Eu me revoltei contra tudo, contra a autoridade dos outros, contra os ensinamentos dos outros, contra os conhecimentos dos outros. Nada queria aceitar como verdadeiro até que eu mesmo pudesse encontrar a Verdade. Eu não me opunha às idéias dos outros, mas não queria aceitar suas teorias e sua autoridade sobre a minha vida... Nada me satisfazia. Eu escutava, observava. Procurava aquilo que está além das ilusões das palavras”.

No décimo-sétimo poema do livro O Amigo Imortal, ele escreveu:

Sim, eu procurei o meu Bem-Amado,
E o descobri em meu próprio coração.

Meu Bem-Amado olha com meus olhos,
Porque agora somos um só.

Eu sorrio com Ele, brinco com Ele.
Essa sombra não é mais minha,

É a sombra do Coração de meu Bem-Amado,
Porque agora somos um só.
"

Krishnamurti explica o que ele entende por "Bem-Amado":

Para mim, o ‘Bem-Amado' é cada um de vocês, ou uma planta qualquer, o pobre e o rico, o cachorro infeliz, as montanhas grandiosas, as árvores magníficas...”.

À luz de sua própria existência, Krishnamurti sacode o torpor de todos que o cercam. Torpor que os fazia aderir a crenças e seguir cegamente seus "guias espirituais". Ele entendia que o erro consiste em aceitar, em vez de compreender... Dizia que “é muito mais fácil seguir cegamente do que compreender e tornar-se assim verdadeiramente livre”. Então, compreendendo tudo isto, ele um dia declarou aos seus seguidores, que já começavam a adorá-lo como um deus, deixando de lado os seus pensamentos: "Não quero espectadores, não quero discípulos, admirações ou louvores de espécie alguma. Quero ser o companheiro e não o mestre”. Assim, em 3 de Agosto de 1929, em Ommen, ele dissolveu a Ordem da Estrela do Oriente, para evitar a formação de uma seita em torno dele. Queria que cada um se sentisse responsável por sua própria vida. Tudo que ele menos desejava era que criassem nele um novo tipo de dependência. Mas os jornais da época já começavam a chamá-lo de “O Messias dos Teósofos”.

Por isso, depois de ter constatado com clareza esses fatos, ele declarou:

A Verdade é um país sem caminho... Ilimitada, incondicionada, inatingível para qualquer caminhante e impossível de ser 'organizada'”. E dissolveu toda a organização que já havia sido criada em torno dele, restituindo todos os bens que lhe haviam sido dados, recusando-se para sempre a ter discípulos, e partindo sozinho em sua própria Jornada. Sem pestanejar, abriu mão da oportunidade de ficar rico. Abdicou da fama, dos confortos, de um belo "futuro garantido" e da admiração do mundo, em prol de realizar a sua verdadeira Busca pela Verdade.

Nas centenas de livros que viria a escrever e palestras e conferências que ministrou, nunca se propôs a "ensinar" coisas, mas somente a "cutucar" o indivíduo humano, tentando fazer com que despertasse do estado de dormência em que se encontra. Criticou duramente a facilidade com que aceitamos, sem questionamentos, as palavras de tantos "mestres" e "gurus" como se fossem expressão da Verdade. Krishnamurti propunha um despertar pessoal, o que ele chamou de "mutação interior". Faleceu em 1986.

Esse breve resumo da história de Krishnamurti é insuficiente para fazer entender a sua grandeza e a importância que suas idéias tiveram no inconsciente coletivo da humanidade. Eu apenas tentei passar aqui uma noção geral do que foi a sua vida e qual a sua mensagem.


Quanto a mim, enquanto tentava entender o que me havia acontecido, digerir a Mensagem que tinha recebido (que contei no post “Sinais”), resolvi me abrigar por um tempo à sombra deste grande pensador e filósofo, procurando reorganizar minhas idéias. Passei a freqüentar o Grupo de Estudos Filosóficos “K”, uma turma que se reúne aos sábados numa biblioteca da Vila Mariana, em São Paulo, para assistir aos vídeos das palestras de Krishnamurti e dialogar e trocar experiências.

Uma experiência válida, sem dúvida nenhuma, que eu recomendo pra qualquer pessoa. Ali pude fazer novas e boas amizades. Esse grupo reunia cerca de trinta e poucas pessoas, desde jovens pós-adolescentes deslumbrados com a sabedoria de Krishnamurti até anciãos com mais de 80 anos de idade. Homens, mulheres, ricos, pobres, professores, intelectuais, artistas, poetas, espiritualistas e “alternativos” de todos os tipos.

As longas conversas que se desenrolavam, começando às 16 horas (após assistirmos em vídeo a alguma das conferências do Krishnamurti) e muitas vezes prolongando-se até à noite, eram muito produtivas para todos, mesmo que a Filosofia seja, por si só, inconclusiva, e qualquer um que procure um grupo como esses com o objetivo de encontrar conclusões definitivas, vai sair decepcionado. Lembro-me de um rapaz que questionava se a mesa em torno da qual nos sentávamos era mesmo real, se ela existia de fato, ou não... Hana, do meu lado, às vezes disfarçava um sorriso involuntário.

Para se discutir alguma coisa com alguém, é necessário que haja pelo menos uma base de concordância mínima, alguma premissa em comum, por onde iniciar o diálogo. Se alguém começa a falar: - “...Pra ser feliz na vida, é preciso...” – Aí o outro interrompe: - “Mas o que é a felicidade? E o que é a vida? Essas coisas existem mesmo, ou serão só ilusões?..” – Aí fica meio impossível de se chegar a uma conclusão sobre qualquer coisa. Esse tipo de situação acontecia, nesse grupo, às vezes...

Mas esse foi o lugar onde, até hoje, eu encontrei a maior concentração de buscadores sinceros, autênticos, independente de credo ou sectarismo religioso. Pessoas dispostas, assim como eu, a não se contentar com menos que a Verdade. Ali ninguém estava preocupado em defender este ou aquele livro considerado sagrado, nem este ou aquele princípio de fé... Para mim foi muito bom saber que haviam outros como eu...