02 janeiro 2007

Fim do grupo

Aos poucos eu e Hana íamos nos afastando do nosso grupo de estudos e vivências, o “Satsanga Guruji”. As diferentes maneiras dos membros interpretarem a espiritualidade começavam a se tornar diferentes demais, se é que me entendem. E as escolhas de caminhos diferentes, obviamente, nos levavam a lugares diferentes. Pouco a pouco, começamos (eu e Hana) a nos afastar. Comecei a me ausentar das reuniões, e Hana começava a preferir ficar comigo.

Beatriz gostava de estudar, ler, pesquisar, fazer cursos. Ela tinha grande interesse em aprender novidades, técnicas para “sair do corpo” ou conseguir poderes sobrenaturais. Mas não me parecia preocupada em encontrar a Verdade ou praticar o Amor ao próximo no seu dia-a-dia - E esta era a única prática que eu, pessoalmente, tinha constatado como realmente útil na Busca. Pouco a pouco eu me tornava cético com relação às suas reais intenções, mas a gota d’água veio no dia em que ela apareceu com um folheto de divulgação de uma “vivência” que seria realizada num hotel-fazenda caríssimo no interior de São Paulo, ministrada por um suposto “mestre swami”.

Nessa vivência, o “mestre” estaria ensinando suas “técnicas especiais para iluminação espiritual” a preços módicos. ;-) Algo em torno de R$ 800,00 por 2 dias de convivência com um autêntico “guru iluminado” indiano. Uma pechincha! Engraçado que na foto do panfleto dava pra ver que a figura tinha a pele super clara, usava uma barba meio ruiva e tinha olhos azuis de ator hollywoodiano. Na boa, a gente sabe que indiano de olhos azuis é uma coisa que simplesmente não existe... Ela fez questão de participar da tal vivência e voltou achando que tinha encontrado a Verdade. Mas quando percebeu que o restante do grupo não estava muito a fim de saber o que tinha aprendido por lá, se mostrou muito irritada. Acho que não tinha se iluminado o suficiente...

Roberto, como eu disse antes, era um praticante seríssimo do Yoga. Formado em ciência da computação e professor de educação física, abriu mão de uma carreira profissional e até dos confortos materiais para viver uma rotina de ascetismo digna de um monge. Observava rigorosos jejuns todos os meses, às vezes por mais de uma semana seguida(!) Acordava praticando Yoga e ia dormir praticando Yoga, desde a parte física postural e de limpeza corpórea até as práticas de meditação, passando por um rigoroso treinamento respiratório e etc. Ele realmente acreditava que poderia alcançar a felicidade e a realização através da prática sistemática do Yoga. Era o tipo do cara que nunca dizia “postura”, mas sim “ásana”, nem falava em processo respiratório, dizia sempre “pranayama”. Fazia questão de se expressar sempre usando os termos em sânscrito, sabia de cor os nomes originais de milhares de ásanas, conhecia profundamente todos os textos védicos e tinha os Yoga Sutras decorados do princípio ao fim... E se sentia infeliz na maior parte do tempo.

Uma vez, no alto da cobertura do luxuoso apartamento de Beatriz (onde costumávamos nos encontrar), logo após uma sessão de meditação, ele se aproximou de mim e perguntou: “Qual é o seu segredo, Henrique? Pelas coisas que me conta eu percebo que você está mais adiantado do que eu, embora eu saiba que eu pratico mais do que você. Não entendo...” – Bem, eu nunca tinha encontrado, até então, oportunidade para lhe falar sobre essas coisas profundas. Embora nos conhecêssemos e convivêssemos já há algum tempo, nossa relação de amigos nunca tinha ido além de conversas superficiais sobre a parte puramente técnica do Yoga e filosofias orientais, e a troca esporádica de livros sobre esses mesmos temas. Isso acontecia porque Roberto fazia a linha “professor”, um cara que já sabe tudo e mais um pouco sobre os assuntos que lhe interessam. Sabe aquela pessoa pra qual você tem receio de tentar dar uns toques, ensinar alguma coisa, porque parece que, subliminarmente, ela está sempre dizendo: “Eu já sei tudo que preciso saber. Eu sei mais até do que você, então, o que você poderia me ensinar?”

Pois é... Beatriz se deslumbrava com essa postura dele, do grande sábio, mas para mim parecia que estava fazendo tudo errado. Pra falar a minha opinião sobre ele de um jeito bem resumido, eu diria que a sua atitude se parecia com a de alguém que valoriza mais o papel do que a bala, sabe como é? O tempo todo preocupado em aprender o jeito certo de se pronunciar as palavras, a posição correta em que o dedo mindinho deve ficar na hora das práticas posturais... Mas, da mesma maneira que nossa amiga Beatriz, que ensinava sua filha de 5 anos a se curvar diante de estatuetas de deuses hindus, nada de pensar no mais simples: o Amor!

Mas então, Roberto me perguntava qual era o meu segredo. E eu imagino que vocês já saibam qual foi a minha resposta:

“Eu sinto e cultivo o Amor, dentro de mim. E tento praticar esse Amor. Só isso! Não acho que o Yoga seja um fim em si mesmo. Eu o vejo como apenas um meio para chegar onde quero. Quando pratico, me concentro apenas em elevar meus pensamentos. Concentro todas as minhas energias em DEUS, e dissolvo todas as minhas expectativas e preconceitos num sentimento de Amor fraternal por todos os seres e todas as coisas...”.

Ele me olhou com uma expressão de absoluta surpresa, por um longo instante. Depois de uma pausa, respondeu com um “Ahh...” pensativo. Ficou por um bom tempo sem falar nada, refletindo no que eu acabara de dizer. Depois de um longo tempo soltou um profundo suspiro, e finalmente me respondeu: “Eu nunca tinha pensado por esse lado...”.

Fiquei estupefato tentando imaginar como um homem tão culto, que estudava Yoga há tantos anos e o praticava tão seriamente podia não ter idéia do que eu estava dizendo! Então era isso!! Ele sabia tudo de práticas físicas, respiratórias, conhecia o sânscrito e a história da Índia profundamente. Sabia de cor os Yoga sutras e a biografia completa de diversos “grandes mestres”. Praticava ascetismo nas 24 horas do seu dia, mas... não sabia amar! Acho que naquele dia eu o ajudei muito mais do que jamais poderia imaginar, apenas com uma palavra. A minha preferida: Amor.