11 dezembro 2006

S R F

Agora volto ao tempo contínuo da minha narrativa.

Eu continuava progredindo bem na prática do Yoga, no Vidya Ashram. Mas sentia falta do lado devocional. Eu queria, eu precisava encontrar DEUS.

Falar em Deus, nos dias de hoje, suscita muita confusão. Vivemos uma época em que não existe um consenso do que vêm a significar essa palavra, e mesmo os que têm fé não concordam entre si, sobre como devemos nos comportar ou qual deve ser a nossa postura, enquanto buscadores, diante desse Deus. Claro que eu vou ter que explicar a maneira como eu entendo essa questão, muito claramente, e o farei em breve, assim que essa minha história terminar.

Deus era para mim fundamental. Estava feliz e satisfeito com a minha vida de yogue praticante, mas esse vazio ainda persistia. E eu também sonhava, já havia muito tempo, em fazer parte de um grupo em que todos pensassem como eu, compartilhassem os mesmos interesses, buscassem as mesmas coisas e pudessem entender as minhas angústias. O caminho do buscador tem fases muito solitárias... Eu queria encontrar a minha "turma"!

Mas, como eu disse antes, agora já existia uma coisa chamada "internet", que me trazia um novo e incrível mundo de possibilidades. Como a de encontrar e conhecer outros buscadores como eu. Eu sabia que eles existiam, que eram muitos, e que estavam perdidos por aí, querendo também encontrar outros como eles. Como eu.

Um belo dia, me lembrei do guru que para mim tinha sido a "porta de entrada" para esse novo e belo universo chamado Yoga: Paramahansa Yogananda. Teclei yogananda.com e assim descobri que havia um site dele em português, e através deste descobri que havia um grupo de meditação dirigido pela Self Realization Fellowship (instituição fundada pelo próprio Yogananda) aqui mesmo no meu país, e na minha cidade! Ali estava a oportunidade que eu procurava para agregar minha evolução técnica à parte devocional do Yoga. E quem sabe também encontrar, finalmente, o meu lugar. Foi só pegar no site o endereço e os horários de atividades da Self Realization Fellowship (daqui pra frente, SRF) aqui em São Paulo.

O lugar é uma espécie de "templo" adaptado em dois bonitos apartamentos num prédio no elegante bairro do Itaim Bibi. No 9º andar há uma grande sala onde se realizam, regularmente, três vezes por semana, sessões coletivas de meditação e exercícios de Krya Yoga (técnica exclusiva dos monges da ordem dos Swamis que são discípulos do guru Lahiri Mahasháya). No 7º andar funciona o escritório, e também uma espécie de loja onde se vendem incensos, livros, quadros e materiais relacionados à prática do Yoga, além de uma sala de práticas menor, onde acontecem aulas dominicais para os filhos dos membros, aos domingos.

A sala de meditação é um ambiente muito agradável, mantido sempre à meia luz, com quadros representando os "grandes avatares" e Jesus Cristo ao centro, num altar em estilo hindu. Uma bela moldura com a foto de Yogananda, momentos antes da hora do seu falecimento (que os hindus chamam de 'mahasamadhi' - a última vez em que um yogue abandona conscientemente o seu corpo físico para entrar definitivamente nos planos beatíficos) com um tranqüilo sorriso no rosto, ficava em lugar de destaque, sempre com grandes e lindos arranjos de flores aos seus pés.


Eu comecei a freqüentar a SRF, regularmente. Os dias de meditação coletiva aconteciam da seguinte maneira: Logo após as práticas de relaxamento iniciais, de curta duração (em torno de 15 minutos) as luzes eram diminuídas, pequenas velas eram acesas no altar e um dos alunos mais adiantados em Krya Yoga se posicionava diante de uma espécie de púlpito, de onde lia passagens de livros e/ou algumas máximas deixadas por Yogananda. Depois, todos cantávamos algum dos muitos (e belos) cânticos, de composição do próprio guru (com letras em português), acompanhados por um instrumento típico indiano que se parece com uma mistura de órgão e acordeom, que produz um som muito agradável. Ao final do cântico, que normalmente se encerrava com a diminuição do volume até o silêncio total, começava a sessão de meditação propriamente dita, com uma hora e meia de duração.

Eu passei bons momentos ali, e tinha toda a intenção de me iniciar em Krya, o mais rápido possível. Para se iniciar, é preciso seguir este processo: Enviar uma carta com um formulário preenchido e fotos, pedindo a iniciação, para a sede central mundial da SRF, que fica na Califórnia, EUA. Os Swamis mandam, de lá, lições via correio, para serem feitas casa, que devem ser seguidas pelo candidato ao pé da letra, em todos os detalhes. Concluídas as lições, o candidato se torna apto para um teste, e se passar, é iniciado em Krya, diretamente pelos monges, que visitam os países onde há filiais da SRF, em média, duas vezes por ano.

Tenho ótimas lembranças de todo o período em que participei das atividades da SRF com maior freqüência, mais ou menos uns dois anos. Me lembro, por exemplo, de quando participei da “Meditação Longa de Natal”, evento que é realizado todos os anos, num sábado, poucos dias antes da semana de Natal. Essa meditação especial começa às dez horas da manhã. Deve-se comparecer em jejum, levando frutas para depositar em grandes mesas que são colocadas nas entradas das duas salas, a do 9º e a do 7º andar. Ambas as salas são usadas para a meditação, e são inteiramente ornamentadas com flores e pétalas, e o retrato de Yogananda é substituído pela imagem de Jesus Cristo, em torno do qual se colocam colares de flores coloridas. Cada um se ajeita no lugar que lhe parece mais adequado. Alguns preferem o chão, outros as cadeiras. E é bom escolher bem, porque a meditação longa de Natal tem esse nome por um bom motivo: Ela dura 7 horas! Eu me sentei no carpete, sobre uma almofada, num lugar que me pareceu confortável. Depois de umas duas horas de meditação, começaram os sons do “khirtan” (música devocional, feita por grupos de músicos especializados em instrumentos tradicionais indianos, como cítaras e flautas). Hora de abrir os olhos e relaxar um pouco a postura de meio-lótus (ficar em "rája padmásana" - lótus completo, por 7 horas seguidas, não dá...). E só aí eu percebi que estava sentado bem em frente à atriz Lídia Brondi, uma devota fervorosa de Yogananda. Dez ou quinze minutos de cânticos, e mais duas horas de meditação. Assim prossegue o dia, até às dezessete horas, quando se encerra a meditação de Natal, com mais khirtan. Então, acontece uma grande confraternização, e todos se dirigem às mesas, para o fim do jejum, degustar as frutas trazidas, que formam grandes pilhas sobre as mesas delicadamente arrumadas.


Ali acabei fazendo grandes amigos, buscadores como eu, inclusive uma moça iniciada em Krya, chamada Beatriz. E foi assim que começou um grupo independente para pesquisa, estudos e troca de experiências, não só dos princípios relacionados ao Yoga, mas todas as formas possíveis de se praticar a espiritualidade. Esse grupo era constituído por essa Beatriz, um rapaz chamado Roberto, eu e a minha atual esposa (que eu acabara de conhecer, mas não lá). Cada um de nós possuía vivências e conhecimentos bastante aprofundados em diversos caminhos espirituais diferentes, e estes encontros se tornaram bastante produtivos para todos nós. Começamos a marcar reuniões aos sábados à tarde, onde trocávamos livros e vivências.