27 outubro 2006

Samadhi

De uma certa maneira, posso dizer que esse é o mais importante de todos os meus posts até agora. Começo dizendo que, desde que descobri a meditação, nunca deixei de praticá-la. Aliás, “praticar” talvez não seja o termo mais apropriado. Meditação não é algo que se pratica. Na verdade, trata-se de não se praticar nada. É o único momento em que não estamos fazendo absolutamente nada. É o momento para apenas ser. É o momento para simplesmente aproveitar a vida, usufruir em silêncio do fato de fazermos parte da existência.

Eu posso dizer que me “apaixonei” por meditação, mas de um outro ponto de vista, meditar é “desapaixonar-se” de todas as coisas. Tem a ver com desapego e libertação. Somos escravos do mundo, desde o momento em que nascemos. Escravos da sociedade, escravos do tempo, da lei da gravidade... Ultimamente, cada vez mais, somos escravos do dinheiro. Tudo é difícil, aqui neste nosso plano: Nascer, sobreviver, conviver em sociedade... No momento em que entramos em estado de meditação profunda, as dificuldades acabam, uma sensação de completa liberdade toma conta. Cada micro-fração daquilo que entendemos por “ser” se liberta de todos os padrões impostos. A subjetividade de tudo aquilo a que nos acostumamos chamar de eu, dos valores que nos condicionamos a obedecer, se revela de maneira muito clara. Importante dizer que não se trata de um estado relativo, subjetivo: Esse estado pode e já foi demonstrado clinicamente diversas vezes, através da medição das ondas cerebrais. O estado mental atingido nesses níveis profundos de meditação é denominado como “padrão alfa”. Yogues e monges já provaram que conseguem entrar nesse estágio poucos segundos depois de se colocarem sentados, em quietude.

Por que estou falando sobre meditação? Porque é o “pano de fundo” para o relato de uma das experiências mais transformadoras que eu já vivi em toda a minha vida.

Desde muito cedo, nesta minha busca, eu aprendi que a grande base para toda possibilidade de crescimento espiritual é o Amor. Não qualquer amor, estou falando do Amor. Como diz Krishnamurti, a palavra “amor” foi tão maltratada no decorrer dos séculos, que chegamos numa época em que praticamente ninguém mais sabe exatamente o que ela significa. Por isso gosto de grafar Amor com letra maiúscula, quando me refiro ao Amor verdadeiro, aquele proposto por Jesus. Sabendo que o Amor é sem dúvida nenhuma a chave para o sucesso nessa busca a que me entreguei de corpo e alma, tratei de aprender a cultivá-lo, dentro de mim. Ás vezes ouço comentários a respeito da maneira como costumo me comportar em situações de conflito: “Você é um iluminado!” – “Eu não conseguiria me manter tão calmo numa situação dessas!” – Minha esposa ainda se espanta comigo, por eu conseguir sempre (segundo ela) enxergar os dois lados em qualquer situação... Eu comecei este blog dizendo que sou um cara meio estranho... Mas será que eu sou alguém “especial”? Um ser humano “espiritualmente bem dotado”? Honestamente, acho que não. Pra ser mais honesto ainda, tirando alguns talentos importantes com os quais fui agraciado (como qualquer pessoa), eu entendo que todas as minhas virtudes se devem ao fato de eu realmente (mas de verdade, mesmo) tentar viver e evoluir com Amor. Parece piegas, eu sei... Mas o Amor não é piegas, o Amor é tudo. Tudo que você é, tudo que foi e vai ser, tudo o que tem ou vai ter, aconteceu/acontece por causa do Amor. O que não significa passividade. Mas eu não vou enveredar por este assunto agora, ele sem dúvida merece posts exclusivos. Por hora, basta dizer que eu cresci e amadureci cultivando Amor dentro de mim. Amor por todas as pessoas e coisas. Amor pela vida. Eu sinto Amor pelas árvores, pelas formigas... Eu me sinto sempre grato por fazer parte de tudo. E essa capacidade aumentou ainda mais depois que eu fui pai.

E porque estou falando sobre o Amor? Porque se não fosse por essa energia sublime, que eu quis que fosse a dominante, na minha vida, eu nunca teria experienciado o que vou contar agora.



No ano de 1994, eu costumava fazer empréstimos de livros na biblioteca da Mooca, que fica dentro de um grande parque, com uma extensa área verde, cheia de árvores das mais diversas espécies. Um lugar muito aprazível, que hoje infelizmente se encontra decadente, com lixo jogado por toda parte, e muros e bancos quebrados. Mas naquela época era um lugar limpo e muito bonito. Numa bela e ensolarada tarde, eu saía da biblioteca com dois livros debaixo do braço: “Autobiografia de um Yogue Contemporâneo”, e “O Mahabharata”. Para sair da biblioteca e me dirigir até o ponto de ônibus, tinha que atravessar a parte mais agradável do parque, um belo caminho arborizado. Fazia muito calor, e ao passar por entre duas seringueiras gigantes, que me brindavam com sua deliciosa sombra refrescante, de repente fui assaltado por um poderoso sentimento de abstração. Como se a “tomada” que me mantêm ligado ao mundo físico tivesse sido desconectada, de súbito. O ruído suave do vento, soprando por entre folhas, começou a soar como belíssima música. Olhei para cima, e vi que o céu, por trás dos ramos que balançavam delicadamente, parecia mais azul do que nunca... A música do vento se juntou ao canto de pássaros, e o som se tornou um convite irrecusável. Um convite para simplesmente parar um pouco... Fazer uma pausa. Àquela hora, o parque estava completamente deserto, reinava absoluta tranqüilidade. Fiquei parado por um tempo, depois andei mais alguns metros, agora lentamente, e parei diante de uma árvore que parece “grávida”, devido à conformidade do seu tronco (Essa árvore ainda está lá). Ao lado do muro do campo de futebol, também vazio e silencioso àquela hora, sentei-me na grama, para meditar, protegido pela sombra da árvore “grávida”. Posso dizer que fui praticamente “obrigado” a fazer isso. Lembro-me de tudo como se estivesse acontecendo agora, e meus dedos tremem.

Assim que me sentei, e coloquei os livros de lado, senti como se uma imensa “onda” de felicidade me cobrisse, da cabeça aos pés! Uma “força”, uma poderosíssima corrente energética me arrebatou! Senti-me “separado” do meu corpo físico, como se tudo que eu realmente sou estivesse livre dessa prisão de carne e osso que chamamos corpo. Senti que este algo que eu sempre entendi por “eu”, na sua concepção mais verdadeira , apesar de se localizar dentro do meu corpo, não é inseparável dele. E entendi que o ilustre Sr. Henrique, com sua nacionalidade, naturalidade, data de nascimento, número de RG, filiação, profissão, tipo físico, etc, etc, etc... TUDO ISSO NÃO É NADA! Esse cidadão simplesmente não existe, não é real, no sentido mais profundo da palavra. O que existe de fato é algo muito, mas muito maior, indescritível! Algo belo, e livre, muito provavelmente o que as religiões convencionaram chamar “alma”.

Êxtase. Permaneci nesse estado, elevado, que jamais havia experimentado, perdido no espaço e no tempo, que aliás também me parecia (o tempo) “diferente”... Meus membros e sentidos físicos foram superados, transcendidos, por esse "algo" maior. Impossível traduzir em palavras... Eu olho para todas as direções, sem mover minha cabeça, sem usar meus olhos. As cores não me parecem mais as mesmas, os aromas também não. Me sinto sem peso e sem forma! Nada parece igual ao que já foi um dia. Eu entendo o que significa a palavra “Felicidade”, integralmente, perfeitamente, absolutamente! O tempo agora não existe, problemas não existem. A individualidade não existe! Eu sou tudo em todos, e tudo em tudo.

DEUS me sorri, absoluto. E diz: “Olá, filho! Não se preocupe, tudo tem um bom motivo… Eu quero que você cresça, e só quero isso porque é o que você quer. Eu o amo! Eu estou sempre com você, eternamente!”...

Eu sorrio, involuntariamente. Seria impossível não sorrir naquela hora. Me pareceu ver Jesus, sorrindo. E ele era mais como uma criança, pura e travessa, a me observar, do que como um juiz vingador. Seus olhos escuros continham estrelas. Estrelas brilhavam e emanavam de seus olhos, por todas as direções. Eu vejo Buda, eu vejo milhões ao meu redor, e todos são um só. Tudo faz sentido. De uma hora pra outra, não existem mais dúvidas! Mais nenhuma pergunta! Encontrei minhas respostas, encontrei o sentido de tudo! Naquele momento, eu finalmente me vi, não mais como um buscador, mas como um ser realizado, integral e pleno!..

Alguns “flashes” se sucedem, quando minha atenção se volta para o meu corpo, sentado ali na grama. Uma pequena folha de árvore, trazida pelo vento, vem cair no meu colo. Eu a observo na palma da mão. Observo o desenho, os veios delicados. Eles são como o sistema circulatório humano. Sinto a vida que flui por todas as árvores, que explode em todas as folhas, a vida que cria estas formas verdes que não querem nada, não ser, ser. Entendo que as plantas obedecem a algo maior do que elas mesmas; que elas também contêm, dentro de si, o segredo do Universo (ou Pluriverso?). Enquanto isso, dentro de salas fechadas, equipadas com ar condicionado, homens de jaleco branco e óculos de grossas lentes, escorregando por seus narizes engordurados, tentam desvendar esses mistérios.

Mas eu, eu entendo tudo: Eu sou nada. E entendendo isso eu posso ser tudo.
Samadhi (sânscrito) significa, literalmente: “dirigir juntos”. É um estado superconsciente beatífico, no qual o Yogue experimenta a desidentificação com o ego e a identificação da alma individualizada com o Espírito Cósmico.