Uma nova descoberta
Como havia dito anteriormente, eu tinha me resolvido prescindir um pouco da minha Busca, para conhecer as coisas e prazeres do mundo. Hoje acho que isso foi importante, afinal, o monge que já viveu no mundo tem mais possibilidades de entender e ajudar a todos, do que o que foi criado, desde pequenino, no templo. Algo como aquilo que é contado no filme Samsara, que apresenta uma reflexão profunda e realista do que se passa na cabeça das pessoas que resolvem abdicar de tudo, para adotar uma vida estritamente espiritual. Eu achava que tinha que me aventurar mais, me permitir conhecer coisas novas. Na verdade, eu vivi alternando momentos de pura dedicação ao Caminho do buscador, com outros, de vivências mais materialistas, a maior parte da minha vida. Porém, nunca abri mão de certos princípios, dos quais me imbuí desde o princípio, quando me resolvi a encontrar Deus. Mas então eu, que não era monge, achava que precisava viver mais aventuras. As coisas estavam cada vez mais difíceis em casa, as brigas entre meus pais aumentando... meu irmão era um “turista” dentro de casa, eu só via o cara, mais ou menos, uma vez a cada quinze dias, e mesmo assim, por meia hora, no máximo. Ele trabalhava o dia inteiro e à noite ia pras suas baladas. Nos finais de semana sempre arranjava viagens ou passava os dias inteiros na casa de alguma das suas (muitas) namoradas. Ficávamos eu e minha mãe em casa, à noite, ela chorando pelos cantos e eu assistindo seriados na TV. Meu pai só chegava tarde da noite, aí recomeçava o quebra pau. E eu estava me cansando dessa vida. Não tinha conseguido me transformar no super homem que eu imaginava, ao me tornar um membro da Igreja Batista, não podia transformar as coisas. Crise fora e dentro da minha mente. E muita energia dentro de mim, pedindo pra ser liberada. Eu começava a entrar na idade de sentir aquela curiosidade enorme pelas coisas, um desejo incontido por novas descobertas e experiências. Começava a sair mais de casa, o poder de minha mãe sobre mim diminuindo gradativamente. Dos passeios vespertinos e matinês para as baladas noturnas, foi um pulo. Deixei de freqüentar igrejas, definitivamente. Tive minhas primeiras namoradinhas e meu primeiro contato com drogas. Um dia o inevitável aconteceu: Meus pais se separaram. Numa manhã cinzenta, meu pai foi embora para nunca mais voltar. Simplesmente saiu pela porta sem dizer “adeus”. Eu só voltaria a vê-lo depois de anos. Meu pai tinha sido um cara incrível, lembro-me dele cantando no meu berço, para eu dormir... E agora, aquela angústia de pensar que nunca mais o veria. Nós nos mudamos para uma casa menor e mais simples, num bairro mais simples, eu minha mãe e meu irmão. A partir destes fatos, mais do que nunca, eu passei a procurar, na rua, distrações da minha vida que se tornava tão incerta e triste. Perdi um ano da escola. Cabulava aula quase todos os dias. Costumava tomar um ônibus e ir para o centro da cidade, passear na galeria do rock, ou então ia ver filmes de artes marciais, num daqueles cinemas pulgueiro. Também jogava muito fliperama (alguém aí lembra do filme Tommy, a Ópera Rock?). Na rua, cada vez fazia mais amizades com indivíduos de caráter duvidoso. O Caminho do buscador ficava mais distante a cada dia. Mas, como eu ouvi uma vez, parecia que “alguém lá em cima gosta de mim”, porque quando eu realmente começava a me enveredar por essas vias tortuosas, algo inesperado aconteceu.
Eu procurava um emprego para poder ajudar em casa, porque a situação ficara muito difícil depois da separação dos meus pais. Andava pela rua, ali na Profº Pacheco Chaves, Vila Prudente, quando, ao passar em frente à uma velha relojoaria, vi colado na vitrine, com durex, um cartaz de papelão, com os seguintes dizeres: "PRECISA-SE DE ESTAGIÁRIO PARA ACADEMIA DE KARATÊ – RAPAZES DE 14 A 18 ANOS". Estava com um amigo. Entramos para pedir informações, e fomos atendidos por uma senhora japonesa, que parecia ter dificuldades para falar o português. Pediu que esperássemos. Desapareceu por trás de uma cortina colorida, para os fundos da relojoaria, e alguns instantes depois apareceu um homem oriental, de baixa estatura, cabelos muito pretos empastados com brilhantina, penteados carichosamente para trás. Sapatos pretos, calças jeans e uma camisa xadrez escura. Olhar muito sério. Cara de professor, daqueles bem bravos. A senhora japonesa disse: “Este é o Sensei Tsunioshi Tanaka; ele explica tudo para vocês”.
<< Home