08 agosto 2006

O segundo Pilar

Nem preciso dizer que fui procurar pela fonte daquelas palavras, que tinham sido escritas no cartão de Natal que minha mãe recebera, e que para mim soaram absolutamente revolucionárias:

“E o que fariam vocês”, perguntou o Mestre à multidão, “se Deus lhes falasse diretamente, em pessoa, e dissesse: ‘ORDENO QUE SEJAS FELIZ NO MUNDO, ENQUANTO VIVERES’. O que fariam então?”

Deus ordenando felicidade aos homens... Todos os homens e mulheres santos que eu conhecia, tiveram que sofrer tanto em nome da sua fé... Essa nova visão era, sem dúvida, uma possibilidade bastante atrativa. As imagens de terror no meu inconsciente, instaladas desde a época da leitura do Antigo Testamento da Bíblia, ainda me perturbavam. Imaginar que a vontade de Deus para minha vida, pudesse ser, afinal, simplesmente a minha felicidade, tinha feito surgir um vislumbre de esperança num novo tipo de vida. Na verdade, havia sempre uma ponta de culpa em minha consciência, por ter abandonado, primeiro a idéia da vida religiosa, e depois, por ter deixado de freqüentar a igreja.

A pessoa que tinha enviado o cartão havia sido uma prima minha, distante, que eu só via muito de vez em quando, uma ou duas vezes a cada dez anos, mais ou menos, apesar de morar também em São Paulo (minha família é extremamente desunida – nada me causa mais tristeza do que ver aquelas famílias grandes, super-unidas, em que todos se dão bem, que no Natal reúnem dezenas de pessoas...). Assim, eu entrei com contato com essa prima, mas ela de pronto não soube me informar a origem da mensagem – ela tinha copiado de um outro cartão, que recebera, de alguém que já não se lembrava(:P)... Mas eu pedi e insisti muito com ela, para que verificasse, porque eu queria mesmo muito saber de onde vinham aquelas palavras. Nessa época ainda não havia internet, e pesquisar coisas desse tipo eram MUITO mais difíceis. Bem, o fato é que após algumas dúzias de telefonemas, ela finalmente se dignou a me passar o telefone do tal amigo, para que, se eu quisesse, entrasse em contato com o rapaz e pedisse a informação que eu tanto queria. Ela se recusava a fazê-lo, não sei porque, achava que seria um “mico” fazer isso. Mas eu não tive dúvida: Peguei o telefone e liguei para o desconhecido. Atendeu a mãe do tal rapaz, muito desconfiada, dizendo que o filho trabalhava o dia inteiro, estudava a noite, e que não poderia me dar o nº comercial. Disse ainda que ele, aos finais de semana, costumava viajar, então seria praticamente impossível encontrá-lo. Após umas setecentas e quarenta e duas tentativas, a gentil senhora percebeu que eu não iria desistir tão fácil, e me passou o telefone do trabalho do moço...

Me apresentei como primo da prima, para a qual ele havia enviado um cartão de Natal com os dizeres que me haviam despertado tanto interesse. Pela voz, o cara pareceu achar esse meu interesse um tanto quanto sem propósito. Eu tentava entender como alguém com sensibilidade pra mandar uma mensagem assim poderia reagir daquele jeito. Mas a resposta veio logo: Ele tinha recebido um cartão da namorada, com aqueles dizeres, achou bonito e resolveu repassar para um monte de gente. E agora? Eu não me deixei desanimar – perguntei se ele poderia me fazer o favor de checar com a menina, de onde tinha tirado a frase. O cara quis saber por quê, não gostou da minha intromissão nas coisas dele, tudo por causa de um cartão de Natal. Mas disse que ia ver. Pra ele eu não precisei ligar setecentas e quarenta e duas vezes (;P), acho que foram só umas quatro ou cinco... Afinal, consegui a informação que queria.

A frase havia sido retirada da introdução do livro “Ilusões” do Richard Bach. Sim, sim, ele mesmo – o mesmo autor de Fernão Capelo Gaivota (Nunca entendi por que Fernão Capelo é mais conhecido. Ilusões, para mim, é muito mais importante, em todos os sentidos). No mesmo dia, corri para a livraria do meu bairro, onde fui informado que o livro, escrito em 1977, estava fora de circulação já há algum tempo. A próxima etapa seria, então, uma corrida ao centro da cidade, para iniciar um garimpo pelos sebos da cidade. Isso teria que ser feito no dia seguinte, pois o horário comercial já se encerrava. Mas no dia seguinte aconteceu algo que eu até então sequer poderia imaginar. Eu estava pronto para ir ao centro, visitar os sebos que eu conhecia, em busca do livro, logo após o almoço. Mas nesse mesmo dia, meu irmão apareceu em casa, para almoçar, com uma novidade: Debaixo do braço trazia um pequeno livro de capa preta, com uma pena azul flutuando no espaço. O título, em letras brancas – Ilusões – as aventuras de um Messias indeciso!! Eu havia comentado com minha mãe sobre o livro, que comentou com meu irmão. E ele, meio sem querer, acabou comentando a respeito com um colega, no trabalho, que não só tinha o livro, como o deu de presente a ele!!!!

É isso. A coleção de letras que mudaria a minha vida para sempre, veio até mim dessa maneira espontânea, gratuita, como um abraço sincero ou o carinho de um filho pequeno. De graça, como tudo que há de melhor nessa vida. Mal podia esperar para conhecer o restante do conteúdo daquela obra, da qual um pequeno trecho me impressionara tanto. Abri aquele pequeno volume, e o prefácio já me encantou. Logo passei para o capítulo 1, que fora impresso com letras escritas a mão, reproduzindo as mãos de um mecânico, sujas de graxa (você vai entender depois): "Houve um Mestre que veio à Terra, nascido na terra santa de Indiana, criado nos montes místicos depois de Fort Waine..."