28 agosto 2006

Eu vejo!! - parte 1


Eu tinha entre 19 e 20 anos de idade. Sozinho em casa. Entrei no quarto vazio, fechei a porta. Desliguei o telefone. Já tinha limpado o ambiente, previamente. Acendi uma vareta de incenso, aroma de lótus, e uma vela. A vela acesa, por dois motivos: Obter uma iluminação mais tênue, intimista, propícia para meus objetivos, e porque observar a chama bruxuleante auxilia a acalmar os pensamentos. Estendi um edredom limpo, dobrado, sobre o piso, e diante deste, acomodei um espelho de corpo inteiro, apoiado no espaldar de uma cadeira. Sentei-me sobre o edredom em posição de meio lótus, e fechei os olhos por um momento, enquanto repetia vezes sem conta o mantra mais popular do mundo: Om mani padme hum – om mani padme hum – om mani padme hum – om mani padme hum..." (sânscrito – Om = corpo, fala e mente, Mani = jóia, Padme = sabedoria, Hum = indivisibilidade). Ao repetir o mantra da compaixão, procuro mentalizar suavemente o significado dessas palavras: “A jóia no coração do lótus”, em analogia à alma no interior do corpo físico (existem outras interpretações). Final de tarde. Janela fechada, mas estreitos halos de luz atravessam, pelas frestas, figuras vazadas da fina cortina, formando desenhos improváveis nas paredes. É o fim da hora de Brahma , quase dezoito horas, num final de outono, quando o sol começa a se despedir no horizonte. Inicio um processo respiratório simples, para acalmar as oscilações mentais, usando intervalos iguais entre inspiração, expiração e pausas entre ambas. Depois de alguns minutos, minha respiração torna-se naturalmente calma, sem que eu precise prestar atenção à ela.

Permaneço de olhos fechados por 15, 20 minutos, meia hora... perco completamente a noção do tempo...

Abro os olhos. Diante de mim está o espelho. Está escuro, e a única luminosidade é a da vela. Vejo minha própria imagem refletida, e observo uma beleza nunca antes percebida. Minha face está extremamente serena, eu sinto a plenitude da Existência fluindo através do meu corpo. Sinto-me como que “preso” no chão, como se minhas pernas tivessem criado raízes no solo. Sinto-me extremamente feliz. Simplesmente realizado. Não há nada a fazer, nem há arrependimentos pelo que já foi feito. Não existem causas nem conseqüências, apenas o momento presente. Não penso em nada, apenas observo. Estou livre dos meus apegos, dos meus julgamentos, estou LIVRE!

Lembro-me suavemente de alguns problemas que tinha para resolver. Eles agora me parecem ínfimos, mínimos, insignificantes. Como pude me preocupar por causa de coisas assim tão bobas? Todas as soluções surgem na minha mente, como que por mágica. Instantaneamente. Olho para o espelho e vejo-me transformado. Há um leve sorriso em minha face serena. Um sorriso involuntário, uma conseqüência inexorável da sensação de plenitude que me invade. Agora eu sei que a felicidade e possível!

Levanto-me, em "estado de graça". Pego um papel e um lápis, e começo a escrever, porque sinto-me como se todo o conhecimento da Terra estivesse contido em mim, e não quero esquecer, depois, das coisas que agora vejo tão claramente...