30 maio 2006

I have the power!!!

Aqui vai mais uma das minhas lembranças de infância, que eu acho que valem a pena ser contadas. Será a última destas por aqui, ao menos por enquanto, porque quero chegar logo ao presente, tem mil coisas acontecendo no aqui-agora, das quais quero falar. Para contar todas as minhas peripécias de criança, precisaria de muito espaço e tempo.

Isso aconteceu mais ou menos na mesma época do incidente anterior, da minha autocura. Eu tinha ainda seis anos de idade. Nessa época, comecei a sofrer de sonhos recorrentes: um pesadelo terrível, que se repetia quase todas as noites. Na verdade, não sei se poderia chamar de sonho recorrente, porque não eram sempre exatamente iguais, apenas uma situação se repetia. Era mais ou menos assim: Eu me via de repente no meio de algum lugar escuro, desconhecido, de onde não sabia como sair. Perdido no meio da escuridão quase completa, num lugar estranho e inóspito, uma sensação de abandono total tomava conta. A única coisa que eu podia divisar no meio das trevas eram vultos de coisas que se pareciam com ruínas, em volta de mim. Restos de construções demolidas, ou coisa assim. Daí percebia uma presença estranha, bem perto. Sentia algo como uma força muito negativa, maligna, chegando próximo. Eu me assustava, claro. Aí vinham os ruídos. Sons de uma fera terrível, como um cão raivoso, só que muito maior. Apavorado, percebia esta presença se aproximando mais e mais. Ouvia seus passos sorrateiros, mal intencionados. Aí eu corria, tentando fugir para longe desta misteriosa criatura. E o pavor só fazia aumentar: A besta corria atrás de mim, e começava uma perseguição terrível. Quanto mais eu corria, mais a fera se aproximava. A perseguição continuava, eu num pavor total, e uma fúria violentíssima atrás de mim. Tudo era escuro em volta, e eu não podia ver o caminho, muito menos escapatória. Sei que corria muito rápido, era como se naquele lugar eu tivesse capacidades sobre-humanas. Mesmo assim, a besta era mais rápida, pelos seus ruídos eu percebia que já estava muito perto, à distância de um palmo ou menos. Olhava para trás, sentia até o seu hálito nauseante, mas ainda não podia ver. O desespero aumenta, tento correr mais rápido, não adianta, a fera já me alcança. Uma nova olhada para trás, e agora vejo sua face monstruosa, bocarra escancarada, braços e garras enormes, dentes afiados que me predam como uma pantera faz com um coelho. O monstro me agarra, e eu desperto aos gritos. Aterrorizado, ensopado de suor. Ainda entorpecido pelos sono e pelo pavor, olho para os lados, temendo que a fera tivesse vindo junto comigo, do lugar onde estava. Grito, choro, pavor incontrolável. Chamo meus pais, aos soluços. Meu pai me diz que não é nada, minha mãe diz que monstros não existem, me explicam o que é um pesadelo. Meu irmão ri... Não sei por quantas vezes esta cena se repetiu em minha infância, mas sei que foram muitas. O suplício durou tempo suficiente para eu começar a ter medo de dormir e encontrar de novo este ser bestial.

Num destes sonhos, eu consegui vê-lo por inteiro: Era humanóide, com braços longos e todo o corpo coberto de pêlos, longos e ruivos, dos pés à cabeça. Pés e mãos desproporcionais, caninos enormes, se projetando para fora da mandíbula potente. Olhos escuros, negros, com uma apavorante expressão de fúria assassina. Na verdade, hoje acho que ele se pareceria bastante com a figura clássica do Sasquatch, só que mais assustador, uma figura com um ar mais demoníaco. Bem, não preciso descrever o impacto de ver uma criatura como estas correndo (e como era rápido!) atrás de você, ainda mais quando se tem seis anos de idade. O fato é que eu sofri por meses a fio com este tipo de pesadelo. Meus pais já não sabiam o que fazer. Minha mãe, piedosa, às vezes permitia que eu dormisse entre ela e o meu pai. Comecei a ter medo de ir dormir. Na minha época de infância as coisas eram bastante diferentes do que são hoje. Nos dias atuais, com certeza eu teria sido levado a um psicólogo ou psiquiatra. Mas em outros tempos, e tendo eu nascido no seio de uma família extremamente humilde, do interior do Sul do Brasil, o máximo que tive, como ajuda, foram palavras: “Não tenha medo, não se preocupe. São apenas sonhos...” O pior de tudo é que meu irmão dez anos mais velho se divertia com a situação e me botava mais medo ainda, quando meus pais não estavam por perto. Dizia que monstros existiam sim, e que se esse estava atrás de mim, algum bom motivo deveria ter.

É isso, com seis anos de idade eu sofria como gente grande por causa destes pesadelos... Até porque não acreditava que fossem realmente apenas sonhos. Até que um dia, uma manhã, pelo que me lembre, eu estava sozinho, no quintal, sentado, tomando sol. Pensando na vida (certamente a coisa que eu mais fiz até hoje). Pensava no que seria de mim, à noite, quando o sono viesse. Eu estava convencido de que aquela noite seria a última. O monstro ia me pegar de vez, eu não tinha dúvidas, e desta vez eu não iria conseguir acordar, não haveria fuga possível. E isto significaria o meu fim. Claro que eu já tinha tentado ficar sem dormir, mais de uma vez, mas isso não estava funcionando... Triste desfecho para uma vida curta. Fiquei assim, perdido em pensamentos depressivos por um longo tempo, até que...

Uma luz se fez dentro de mim! Fui tocado por uma força maior do que eu, e maior do que meu irmão ou meus pais, definitivamente... Uma sensação de paz e força interior me tomou de assalto, eu não sei bem porquê. Fechei os olhos, como que por instinto, algo que se faz porque é a única coisa a ser feita, e não porque se escolhe. E assim, de olhos fechados, olhando para dentro de mim, eu entendi tudo!! Por um momento, fui o senhor do universo!! Fui o senhor de mim mesmo – eu vi a solução para o meu problema, enquanto um sorriso se formava na minha redonda face: Uma voz gritou dentro de mim: “o monstro se alimenta do seu medo! – quando ele aparecer, lembre-se que não é real, e não fuja!”...

A noite chegou. E com ela, o sono. Eu dormi, e não falhou: lá estava eu, no ambiente escuro, cercado de ruínas, construções semi-destruídas. O pavor me tomou de assalto, mais uma vez. A besta! E eis que ouço seus sons, como sempre. E ouço seu rosnado ameaçador. E lá vem ele pra cima de mim novamente. O medo me sacode como uma folha no meio de um temporal... E eu corro. O monstro me persegue. Eu sei que hoje ele vai me pegar e eu não vou conseguir fugir. Estou de novo apavorado, perdido. Corro o mais rápido que posso, mas o monstro, como de costume, me alcança. Ele é mais rápido. Eu quero berrar, quero apenas sobreviver, mas já não tenho forças... É quando eu me lembro! Lembro do que havia me acontecido. Lembro do que havia entendido, na manhã anterior. Revivo, num segundo, toda a experiência, a sensação... E então, imediatamente, eu perco o medo. E paro de correr. Simplesmente paro de correr! O monstro assassino, abominável, já roçava meus calcanhares... mas nada acontece. Ele passa direto por mim, como se meu corpo fosse feito de fumaça, e ele tivesse atravessado.

Eu olho para os lados, e o ambiente já não parece tão escuro quanto antes. Uma luminosidade que eu não sei de onde vem clareia o lugar e eu posso agora enxergar melhor. Há escombros e entulhos á minha volta, pedaços de antigas casas. Posso ver até algumas partes onde se conservam ainda janelas e portas. Olho para outro lado, no fim do que teria sido uma rua, e lá está ele: o monstro. Parece agora um cachorro que levou uma bronca do dono, cabeça baixa, meio amuado. Mas ele volta a se erguer, olhos querendo ameaçar, novamente. Eu apenas sorrio: "Eu não tenho mais medo. Isto não é real, e você não pode me fazer mal". A besta se move, novamente, como um touro enfurecido, escavando com as patas o chão poeirento. Eu sei que a sua aparência é assustadora, mas agora não me afeta mais, nem um pouco. Ele vem pra cima de mim. Eu chego a pensar em desviar, mas a calma me invade de um modo tão absoluto que eu apenas continuo sorrindo, e não me movo. O monstro vem com tudo que tem, à toda velocidade, com todo ímpeto, e... me atinge! E é como se ele fosse feito de pó. Todo seu corpanzil se desvanece em milhares de partículas, que se espalham, como aquelas finas fagulhas que voam quando se chuta uma fogueira de festa junina.
Partículas esvoaçantes dançam por alguns segundos, pelo espaço à minha volta, até perderem sua luminescência e sumirem por completo, no escuro daquele lugar estranho... EU VENCI!!! Sentia uma euforia incontida! Eu venci a fera terrível! Era como vencer a própria morte!..

Acordei tranquilo e feliz, uma sensação de paz incrível me invadindo... Nunca mais tive pesadelos com aquela besta assassina atrás de mim. E posso dizer que este episódio foi de importância fundamental em minha vida. Até hoje, quando lembro dele, me sinto mais corajoso para enfrentar os problemas e monstros desse mundo.

23 maio 2006

Mais memórias da infância

Antes de passar à minha fase adolescente, gostaria de relatar ainda certos acontecimentos ocorridos em minha infância, que acredito, valerá a pena compartilhar, e sobre os quais ainda não tive oportunidade de falar, aqui. Este exercício de relembrar minha vida desde o começo, para poder narrá-la como se fosse um filme, tem se revelado muito interessante. Memórias há muito não acessadas voltam a se fazer presentes.

Eu mencionei antes que me lembro de coisas de minha vida intra-uterina. E isso, por mais incrível que possa parecer, é a pura verdade. O fato é que eu me lembro de como eram as coisas dentro do ventre de minha mãe. Minha lembrança mais vívida é a dela conversando com meu pai e com meu irmão, a meu respeito. Eu, lá de dentro, de algum modo podia “ver” as pessoas que estavam à minha volta, e entender o que diziam(!). Lá dentro era muito agradável, um conforto total, quente e macio... Claro que não costumo comentar esse tipo de coisa com ninguém, sob pena de ser taxado de maluco. E eu tenho que dizer que compreenderia perfeitamente as pessoas me chamarem assim. Isso é fantástico demais para ser, simplesmente assim, aceito sem mais aquela. A única coisa que posso fazer é dar minha palavra de que estou falando a verdade. Eu mesmo me surpreendo com isto, mas já desisti de tentar entender...

Outra lembrança interessante da minha infância: com seis anos de idade fiquei doente, acometido de uma forte infecção hepática. Alguma coisa que eu comi... e eu sei que foi uma esfirra de carne que já fazia aniversário na vitrine daquele bar. Minha mãe resolveu não me levar ao médico antes de tentar um tratamento à base de chás e alimentação inócua. Lembro que vomitei muito, muito mesmo, por dois dias inteiros. Fiquei de cama. Era inverno e fazia muito frio, então minha mãe me cobriu com dois bons cobertores, daqueles sulistas, pesadões, que não deixam o frio chegar nem perto.

Nesse dia, de olhos fechados, debaixo das cobertas, sozinho e amuado, comecei a ver coisas meio estranhas...
Vi um ambiente escuro e úmido, pulsante, que de alguma maneira eu sabia estar localizado dentro do meu corpo. Eu estava vendo o interior do meu organismo, em alguma parte específica! E nesse lugar vi uma infinidade de corpúsculos escuros, como se fossem pequenos monstros, que devoravam paredes e tecidos vivos, parecendo operários demolindo um velho edifício condenado. Nesse exato momento entendi que eram vírus atacando meu corpo(*). Minha reação foi imediata: cerrei com mais força os meus olhos, e imaginei um exército de homenzinhos luminosos, como pequenos soldadinhos, usando capacetes e tudo, invadindo aquele ambiente e atacando os monstrinhos. Fiquei ali, debaixo do cobertor, de olhos fechados, assistindo aquela cena dantesca: Num ambiente escuro, viscoso e vivo, parecido com o interior de uma caverna pulsante, se desenrolava uma batalha interminável entre soldadinhos luminosos e monstrinhos devoradores de entranhas... A luta se dava na base da porrada, mesmo. Não haviam armas. Era uma batalha inglória para os soldadinhos, porque os monstrinhos eram resistentes. Então eu, que torcia pelos soldados, por motivos óbvios, mandei mentalmente mais e mais reforços, até que o exército inimigo, o dos monstros, fosse dominado e por fim totalmente dizimado. Imediatamente me senti melhor e pulei da cama, suando em bicas, mas sem febre, me sentindo bem disposto e saudável. Minha mãe, surpresa ao me ver bem disposto, me disse que já se preparava para me levar ao médico, porque eu não estava melhorando, e que ela tinha medido 39º de febre. Apesar de já ter percebido que eu estava ótimo, fez questão de medir minha temperatura novamente, e constatou que a febre tinha cedido completamente.

(*) Infecção é todo processo inflamatório no qual exista um agente infeccioso. Os agentes infecciosos são seres vivos microscópicos, mono, pluricelulares ou até mesmo formados apenas por uma cadeia de ácido ribonucléico, como é o caso dos vírus. = wilkipedia.

É isso aí, pessoal. Eu não tenho repostas para explicar como uma criança de seis anos, que nunca ouviu falar em germes, bactérias ou vírus, e muito menos sabe alguma coisa sobre o sistema imunológico humano, pode ter “visto” uma cena como a descrita acima. Mas o mais importante é observar que, na verdade, eu é que comandei (eu não tenho dúvidas disto) meus agentes auto-imunes no ataque contra os agentes invasores que atacavam meu fígado. Isto aconteceu, lá pelos idos de 1973, com um garotinho meio diferente.

19 maio 2006

A descoberta do Espiritismo

Continuação do post “Meus onze anos”
Quando eu tinha onze anos de idade, encontrei, no banco de trás do carro de uma tia minha, da Cidade de Campinas(SP), um exemplar da “Folha Espírita”. A matéria de capa, daquela edição, tratava de um tema que me assustava muito, na época - O título da principal manchete era: “As Profecias de Nostradamus, o Apocalipse e o Fim do Mundo”. O texto falava da interpretação espírita a respeito desse assunto, que sempre foi polêmico, e já era moda na década de 1970.
Bem, o fato é que, na visão do autor do texto, tanto as centúrias de Nostradamus, quanto o Apocalipse bíblico se referiam a realidades que ocorrem fora deste nosso plano de existência; para ser mais exato, nos níveis mais inferiores, onde só há dor e sofrimento dos piores tipos.
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Lá estava eu, aos onze anos, com uma descrição detalhada do plano espiritual conhecido como Umbral, lugar para onde vão os espíritos “maus”, como os dos criminosos, dos materialistas... os mal resolvidos, enfim. E a edição era repleta de ilustrações assustadoras! Bem, resumindo o que entendi da leitura, no banco de trás daquele corcel, numa tarde cinzenta de outono há quase trinta anos: Se eu for mau, vou para um lugar terrível, cheio de demônios e monstros horrorosos( subentendi esta parte por causa das pinturas medievais que ilustravam a matéria ), onde serei torturado de maneiras inimagináveis, e o pior: é um lugar de onde não há fuga. Evidentemente, a minha interpretação do texto estava profundamente comprometida pelas crenças da tradição católica, pelos vários livrinhos de catecismo que já tinha lido antes, sermões ouvidos e instalados no meu subconsciente, etc. O fato é que ler aquele artigo me aterrorizou, foi uma espécie de reavivamento do que senti quando da descoberta da morte. Não queria mais ficar sozinho em nenhum momento, tinha medo até de ir ao banheiro. Acordava de madrugada, e ficava encolhido, duro em minha cama, com os olhos arregalados, imaginando o que seria de mim se não conseguisse ser bom o bastante para merecer escapar daquele lugar horrível!!
Depois de um tempo, essa mesma tia começou a me levar, junto com minha prima, para participar de uma espécie de cursinho “introdutório” ao espiritismo, para crianças, no centro que ela freqüentava, chamado “Casa dos Espíritos”. Essa minha prima tem a mesma idade que eu, e nós morríamos de medo de ir, de algum dia ver alguma "coisa" lá dentro, tipo um fantasma, bem do nosso lado, ou algo assim. Em nossa mente infantil, achávamos que por se tratar de uma “casa dos espíritos”, esses espíritos haveriam de habitar, em especial, aquele lugar. Na verdade íamos meio forçados. Chegando, recebíamos passes, logo na entrada. Cada um dos ministrantes tinha uma “coreografia” básica própria. Tinha um que estalava os dedos, assoprava ruidosamente pelas narinas, outro revirava os olhos enquanto seu corpo todo estremecia. Outro ainda dava uma reboladinha a cada vez que subia e descia com os braços em arco ao redor do meu corpo. Eu também tinha medo nessa hora, de algum espírito entrar em mim, vindo de algum lugar, sei lá(sic). A verdade é que sou nascido numa cidade muito pequena do interior do Sul do Brasil, venho de uma família extremamente simples, para a qual tudo que parecesse diferente causava estranhamento, um receio bravo, mesmo. Lembro de minha mãe, dizendo – “Eu não desacredito que consigam contato com os mortos, nessas seções. Mas, pra quê isso? Por quê ir lá mexer com quem está quieto?” Lembro-me que numa dessas aulinhas dominicais, a "professora" passou em mãos, para todos apreciarem, uma meia dúzia de fotografias de supostos “fenômenos espirituais”, com torrentes de "ectoplasma" saltando das bocas, ouvidos e narizes de “médiuns” em “transe”. Só destaco algumas palavras entre aspas porque hoje sei que estas fotografias, especificamente estas, foram estudadas e comprovadamente classificadas como fraudes. Elas são famosas, na verdade, podem ser encontradas em qualquer livro, antigo ou novo, que trate do assunto mediunidade. Não vou citar quais são porque meu objetivo aqui não é criar polêmica, apenas digo que ao olhar para as imagens, hoje, vejo claramente um lençol retorcido saindo da boca de um sujeito sentado. A armação é claríssima. Mas foi o suficiente pra fazer com que minha prima eu e saíssemos apavorados do centro, naquela manhã. Este foi só o princípio da minha experiência com o espiritismo, que logo seria interrompido, para ser retomado só muitos anos depois.

15 maio 2006

Meus onze anos

Minha mãe era daquelas católicas desencanadas, não praticante. Ela ia à missa mais ou menos uma vez por mês, mas também tinha fases de ir todo domingo. Apesar de não estar muito aí para religião, era do tipo que se escandalizava se visse alguém falando mal de sua religião, ou do papa, por exemplo. Meu pai não a acompanhava, então às vezes ela me levava para a igreja como companhia. Nessa época eu tinha entre 7 e 8 anos. Gostava de ficar observando os afrescos no teto do templo, a paróquia São José de Vila Zelina, em São Paulo. Até hoje há lá uma imagem de Nossa Senhora com algumas crianças em volta, e um sacerdote. Só recentemente fiquei sabendo que aquela imagem representa uma aparição de Nossa Senhora de Siluva, padroeira da Lituânia.
Eu ficava olhando também as esculturas, em especial, para as imagens representando Jesus Cristo. Perdia-me em pensamentos. Focando o olhar nas representações de Cristo, eu via paz, ira, força... Claro, apenas pinturas e estátuas... mas para mim eram objeto de meditação, por todo o tempo que durava a missa. Eu observava sentindo um misto de admiração e curiosidade. Tanta altivez, e no entanto lá estava ele, no crucifixo, pregado...

Com 11 anos fui levado por minha mãe para seguir a procissão da sexta feira santa de nosso bairro. Era uma sexta feira santa daquelas chuvosas e frias, da década de 1970, como me parece que eram todas, antigamente, tristes, sombrias mesmo. Minha mãe contava que “no seu tempo”, nesse dia, ela e suas irmãs eram proibidas por minha avó até de brincar, cantar, falar alto, etc. Segundo ela, era um dia de contrição que a maioria respeitava ao máximo.
Então lá estava eu, seguindo a procissão... E lá ia a imagem do “Senhor morto”, bem à minha frente. Representa Jesus morto, estirado numa maca. Corpo ferido, marcas múltiplas. Expressão de sofrimento. Sangue escorrendo pelas faces, múltiplos ferimentos pelo corpo. Ombros e joelhos esfolados. Mãos e pés trespassados, assim como o lado do torso. Rapazes vestidos como soldados romanos marchavam atrás da imagem de Cristo. Senhores muito sérios levavam a imagem e oravam. Atrás vinha uma imagem da “Virgem Dolorosa”. Todos cantavam cânticos de lamento, seguidos de orações, que se seguiam de cânticos, e assim prosseguia... Todos seguiam com velas nas mãos, expressões melancólicas.
De repente, chuva! Caiu um forte toró por cima da turba, por cima da imagem, encharcando tudo e todos. Mas ninguém se moveu, ninguém arredou pé. Alguns tinham guarda chuvas, e os abriram, dando “carona” para os que estavam mais próximos, que aceitavam a ajuda de bom grado. Os que não tinham, não se importavam em continuar caminhando debaixo de uma forte chuva. As orações não cessaram nem falharam naquela noite, nem por um segundo, quando a chuva desabou de repente. As lanternas se apagaram, e só. Eu não sei bem porquê, me emocionei. Senti-me como que transportado para a época de Cristo. Como deveria ter sido no dia em que ele de fato morrera, de forma tão cruel, deixando atônitos discípulos, seguidores, e aqueles que simplesmente acreditavam que ele representava Algo maior. Eu caminhava, levado pela mão por minha mãe, protegido da chuva apenas por uma pequena “sombrinha”. Olhos fixos na imagem do corpo de Cristo, chuva forte batendo em cima. As luzes dos postes, através dos pingos esvoaçantes da água que respingava sobre a escultura, formavam um prisma de múltiplas cores, num efeito mágico, inebriante. Voltei para casa transtornado. Qual o significado de tudo aquilo?
E foi aí que resolvi: iria ser padre!

11 maio 2006

Esse menino é meio diferente...

Depois que descobri que a minha vida simplesmente não seria eterna, como eu até então subentendia, passei a interrogar meus pais, que, como disse antes, eram a única fonte de conhecimento a que eu podia recorrer. Mas, como também já disse antes, essa fonte de conhecimento era absolutamente ineficiente, porque eles( meus pais ) muito cedo me deixaram claro qual seria sua postura sobre este tema: "simplesmente não nos importamos". Mal sabia então, que seriam eles os primeiros de muuuuitos que me decepcionariam neste sentido. Mas pelo menos uma coisa eu pude arrancar de minha desinteressada mamãe: minha única ajuda possível, nesta área, só poderia vir do "Papai do Céu". Saber isso não era o bastante, mas quando eu insistia em obter mais informações, era invariavelmente ignorado. As únicas respostas que eu conseguia eram do tipo: "Isto é assim porque é, e pronto!" ou "Você ainda é muito pequeno pra ficar pensando nisso." e "Fica tranquilo que ainda vai demorar muito pra chegar a sua vez de morrer!". Não preciso dizer que este tipo de argumento não me convencia nada.

Bem, então, se eu não podia mesmo contar com os humanos, resolvi voltar-me para o misterioso "Papai do Céu". Sim, na verdade minha mãe já havia me falado sobre Ele, mesmo antes da minha fatídica descoberta, a da existência da morte. Já me fizera até( algumas esporádicas vezes )ajoelhar aos pés de minha cama para repetir: "Pai nosso..." - eu não entendia nada do que estava dizendo, mas, por algum motivo que mesmo hoje não sei explicar, era bom... Às vezes também me ensinava a orar para o meu anjo da guarda. E por isso tudo, eu imaginava que havia uma Força Maior, além do meu mundinho, que poderia me dar todas as respostas.
Assim, de quando em quando, eu me largava quieto num canto a pedir para Deus que me desse a vida eterna... Às vezes, ficava por horas( não é exagero ) olhando para o nada, absorto de tudo à minha volta. Minha mãe comentava com minhas tias: "Esse menino é meio diferente..."... Eu ainda tinha 4 anos de idade.

Agora que comecei a narrar a minha vida de buscador, desde o início, me lembrei de um fato que me aconteceu um pouco depois desse período, quando eu tinha já entre 5 e 6 anos de idade. Melhor dizendo, me lembrei do que ouvi minha mãe me contar, muitas vezes. Conta ela que numa madrugada foi desperta por um som de extrema beleza, como se fosse o cântico de um anjo... Levantou a cabeça do travesseiro para ouvir melhor, imaginando que talvez o som pudesse vir da TV, ou algo do gênero. Mas logo percebeu que não poderia ser isso, porque o que ela ouvia era( palavras dela ) uma música realmente sublime, celestial. Chacoalhou meu pai, que despertou e ficou também atônito ao ouvir a música. Segundo ele, era um cantar de extrema suavidade, quase hipnótico, sobrenatural. Levantaram-se e caminharam, pé ante pé, para o lugar de onde parecia vir o som. Vinha do meu quarto. Abriram a porta com cuidado, e viram o que nunca mais esqueceriam. O relato dos dois diz que


Eu estava deitado em minha cama, em decúbito frontal, com uma expressão de serenidade absoluta, e, no meio da penumbra, cantava com uma voz que, sem nenhuma dúvida, não era minha voz habitual. Com harmonia indescritível, e um timbre de voz como que celestial, eu cantava( ou de meus lábios saía ) a música mais maravilhosa que eles jamais haviam ouvido.

No dia seguinte, me perguntaram se eu me lembrava
de alguma coisa. Eu não lembrava de nada, e não dei maior atenção ao ocorrido, que eles me contaram com os olhos marejados. Nunca atribuí maior importância a essa história, mas resolvi registrar, porque imagino que se algo parecido me acontecesse hoje, ou com alguém que conheço, eu certamente ficaria intrigado. Acharia, no mínimo, interessante.

No mais, minha vida seguiu sem grandes novidades até os meus 11 anos, quando outro fato muito importante aconteceu...

09 maio 2006

Começando do começo... a Arte das artes

Eu sou um cara meio estranho... Não sei bem porquê, assim como não sei um monte de outras coisas que gostaria muito de saber. Mas, como está escrito: “Tudo Tem o Seu Tempo Certo Para Acontecer Debaixo do Céu.” - Interessante observar que o texto bíblico especifica: DEBAIXO DO CÉU – do que podermos subentender que em outros planos de existência, o tempo não exista, ou não faça diferença. Acho isso extremamente animador, afinal, aqui neste mundinho somos todos escravos deste tirano implacável: o tempo. Bem, aqui estou eu me abstraindo do assunto...

Dizia que sou um pouco estranho, ao menos para a maioria das pessoas. Para mim mesmo, penso que se todos fossem iguais a mim, a vida seria muito melhor... Brincadeiras à parte, o fato é que eu sempre fui um inconformado. Nunca consegui, embora por algumas vezes tenha mesmo tentado, ser “mais um boi na boiada”. E aqui agora começo a compartilhar minha história. Talvez seja útil para alguém, algum dia...

Aos 4 anos de idade, eu passeava na pracinha com minha querida mãe, e conversávamos animadamente. Eu não me lembro do assunto, mas me lembro das imagens, das cores, do tom da voz dela... Minha memória é absolutamente inacreditável, tenho inclusive lembranças da vida intra-uterina( ! ). Você duvida? Não importa, já estou acostumado. Acho que só este assunto já renderia no mínimo um post bem longo. Mas, voltando ao assunto: Era uma tarde, aproximadamente 17:30 hs, quando, no meio da conversa, ela me disse: - “Então, filho, no dia em que eu já tiver morrido, você...” – O final da frase eu não me lembro, provavelmente porque essa revelação por si só me chocou demais para que pudesse prestar atenção em qualquer coisa que viesse a seguir. Rapidamente retruquei: - “Um dia você vai morrer?” –um fio de esperança no fundo da voz, de que tivesse ouvido mal, mas a reposta veio ainda mais aterradora, e implacável: - “Claro, um dia todo mundo vai morrer!”. Eu estava diante da pior notícia que já tivera recebido em curta minha vida até então. Mas a resposta para minha próxima pergunta é que iria mudar, definitivamente e para sempre, minha até então doce e simples vida. A pergunta foi esta: - “Até eu?”... – E a resposta: - “Sim, até você, todo mundo!”...

Bom, este foi o começo de tudo. Este foi o princípio da Busca.

Claro que com 4 anos eu não podia ainda entender muito das coisas. Ou será que naquela época eu entendia mais do que hoje? Bem, posso dizer com certeza que todo o conhecimento que eu pude adquirir ao longo de décadas a fio de busca, práticas, estudo e meditação, me levariam a uma conclusão mais ou menos por aí. Como diz a tradição oriental:

£ Quando eu não conhecia a Arte, uma árvore era apenas uma árvore, uma nuvem era apenas uma nuvem.

Quando eu comecei a aprender a Arte, uma árvore já não era mais apenas uma árvore, uma nuvem não era mais apenas uma nuvem.

Agora que eu entendo a Arte, uma árvore é apenas uma árvore, uma nuvem á apenas uma nuvem. £

Mas afinal, eu ainda não sabia ler. Demoraria ainda mais um ano e meio para isso... E não podia sair de casa sozinho ainda, para ir atrás de respostas. Minha única fonte de pesquisa na infância eram meus pais, cada um com sua sabedoria. Mas... sabe o que me deixava realmente confuso? Eles pareciam não estar nem aí!! Quer dizer, eu realmente não podia entender... uma pessoa sabe que vai morrer e simplesmente não está preocupada com isso? Levavam suas vidinhas, tranqüilos, e quando eu começava a perguntar das coisas, simplesmente desconversavam, mudavam o foco, ou diziam que não adiantava se preocupar, que quando crescesse iria entender tudo... Infelizmente, eles estavam muito errados. Quanto mais crescia, menos entendia...
Acho que o principal motivo de ter ficado tão abalado ao tomar conhecimento da morte, foi o fato de que naquela época minha vida era simplesmente maravilhosa! Eu era o mais feliz dos meninos. Minha vida era absolutamente( hoje eu sei! ) meditativa, eu vivia todo o tempo no agora, preocupado apenas e tão somente em dar e receber amor, de minha mãe, do meu pai, que cantava para eu dormir, do meu gato, que brincava comigo o dia inteiro, dos meus brinquedos... Então, morrer por quê? Como assim?????
Então foi isso, minha Busca começou, muito parecida com a de Sidarta Gautama, o Buda Sakiamuni. Como ele, que ao descobrir que existiam morte e sofrimento, nunca mais teve paz até atingir a iluminação, também eu.
Duas diferenças importantes:

1. Ele descobriu isso quando já era um jovenzinho.

2. Eu ainda não atingi a iluminação...