28 agosto 2006

Eu vejo!! - parte 1


Eu tinha entre 19 e 20 anos de idade. Sozinho em casa. Entrei no quarto vazio, fechei a porta. Desliguei o telefone. Já tinha limpado o ambiente, previamente. Acendi uma vareta de incenso, aroma de lótus, e uma vela. A vela acesa, por dois motivos: Obter uma iluminação mais tênue, intimista, propícia para meus objetivos, e porque observar a chama bruxuleante auxilia a acalmar os pensamentos. Estendi um edredom limpo, dobrado, sobre o piso, e diante deste, acomodei um espelho de corpo inteiro, apoiado no espaldar de uma cadeira. Sentei-me sobre o edredom em posição de meio lótus, e fechei os olhos por um momento, enquanto repetia vezes sem conta o mantra mais popular do mundo: Om mani padme hum – om mani padme hum – om mani padme hum – om mani padme hum..." (sânscrito – Om = corpo, fala e mente, Mani = jóia, Padme = sabedoria, Hum = indivisibilidade). Ao repetir o mantra da compaixão, procuro mentalizar suavemente o significado dessas palavras: “A jóia no coração do lótus”, em analogia à alma no interior do corpo físico (existem outras interpretações). Final de tarde. Janela fechada, mas estreitos halos de luz atravessam, pelas frestas, figuras vazadas da fina cortina, formando desenhos improváveis nas paredes. É o fim da hora de Brahma , quase dezoito horas, num final de outono, quando o sol começa a se despedir no horizonte. Inicio um processo respiratório simples, para acalmar as oscilações mentais, usando intervalos iguais entre inspiração, expiração e pausas entre ambas. Depois de alguns minutos, minha respiração torna-se naturalmente calma, sem que eu precise prestar atenção à ela.

Permaneço de olhos fechados por 15, 20 minutos, meia hora... perco completamente a noção do tempo...

Abro os olhos. Diante de mim está o espelho. Está escuro, e a única luminosidade é a da vela. Vejo minha própria imagem refletida, e observo uma beleza nunca antes percebida. Minha face está extremamente serena, eu sinto a plenitude da Existência fluindo através do meu corpo. Sinto-me como que “preso” no chão, como se minhas pernas tivessem criado raízes no solo. Sinto-me extremamente feliz. Simplesmente realizado. Não há nada a fazer, nem há arrependimentos pelo que já foi feito. Não existem causas nem conseqüências, apenas o momento presente. Não penso em nada, apenas observo. Estou livre dos meus apegos, dos meus julgamentos, estou LIVRE!

Lembro-me suavemente de alguns problemas que tinha para resolver. Eles agora me parecem ínfimos, mínimos, insignificantes. Como pude me preocupar por causa de coisas assim tão bobas? Todas as soluções surgem na minha mente, como que por mágica. Instantaneamente. Olho para o espelho e vejo-me transformado. Há um leve sorriso em minha face serena. Um sorriso involuntário, uma conseqüência inexorável da sensação de plenitude que me invade. Agora eu sei que a felicidade e possível!

Levanto-me, em "estado de graça". Pego um papel e um lápis, e começo a escrever, porque sinto-me como se todo o conhecimento da Terra estivesse contido em mim, e não quero esquecer, depois, das coisas que agora vejo tão claramente...

25 agosto 2006

Pra quem interessar...

Queridos, ultimamente tenho falado muito de Richard Bach, aqui. Por isso, achei que seria interessante indicar para vocês alguns endereços onde poderão encontrar informações sobre esta grande figura.

No primeiro, há uma pequena entrevista, feita pela escritora Eliane de Araujoh:

No segundo, um pequeno resumo da vida e obra do autor, no site Imagick:

Aqui, tem uma outra entrevista, feita por Débora Lerrer, tembém do Imagick:

Descobri até uma coisa que eu não sabia: Richard Bach é tataraneto do legendário compositor clássico J. Sebastian Bach(!). Outra surpresa: Eu sabia que esse livro tinha sido muito influente até um pouco antes da década de 1990, como já comentei antes, mas fiquei admirado ao fazer uma breve pesquisa na rede e verificar, que ainda hoje, muitas e muitas pessoas o citam como "o livro que mudou a minha vida". Trinta anos depois de ter sido escrito! Por isso mesmo, tem muita matéria sobre o assunto disponível online. É só colocar o nomezinho no buscador e clicar em "pesquisar"! ;-)

Forte abraço!

23 agosto 2006

Encontro comigo

É a isto que eu chamo o meu "segundo pilar": O conhecimento de que olhar para dentro de si, com total e absoluta sinceridade, revela as respostas. Simples, como todas as leis da natureza, descobertas até agora. Simples como tudo que é genial - já ouviram composição mais simples que o “refrão” da quinta sinfonia de Beethoven? Ou a introdução de Smoke on the Water, do Deep Purple? (Duas das mais geniais composições musicais jamais criadas, cada uma em seu estilo). Esta é uma "chave" da vida, o segredo está na simplicidade. E esta é outra chave: Quando fazemos perguntas, já sabemos as respostas. Mas precisamos fazê-las, perguntar é como uma espécie de “muleta”, necessária para o inconsciente.

Logo depois de ler Ilusões, o livro que me fez enxergar um modo novo de viver a vida, minha mente se abriu para a leitura de um sem número de outros autores, como Lobsang Rampa, que apesar de ter sido um grande charlatão, também me ajudou a entender o orientalismo e seus costumes, lá no início das minhas pesquisas. Foi por causa desse controvertido autor que eu tomei conhecimento, por exemplo, do Livro Tibetano dos Mortos. Também li Anthony Norwell, Mircea Eliade, Wulfing Rohr, Huberto Rohden, entre outros. E por meio da análise destas diversas obras encontrei algo tão básico e importante para a minha busca quanto a própria descoberta deste meu segundo pilar: Encontrei exatamente a melhor maneira para aplicar, na prática, minha nova e grande descoberta pessoal (Olhar para dentro de mim para encontrar as respostas) – Encontrei a Meditação!
Eu já meditava antes, de um modo intuitivo. Acho que o faço desde que era um bebê, isto é, eu sou um ser meditativo por natureza; nunca deixei de observar atentamente a vida, dentro e fora de mim. Mas agora eu havia encontrado uma ferramenta ideal para praticar: A técnica conhecida como Meditação Transcendental. O primeiro livro que eu li a respeito foi “ O Poder da Meditação Transcendental”, do Anthony Norwell. Fiquei encantado, e, mesmo antes de procurar uma escola, comecei a praticar por conta própria, dentro de casa, ou fugindo para algum parque ou lugar isolado. A técnica nada tem de muito diferente. Praticamente a mesma coisa que meditação Zen (budismo japonês) ou C´han (budismo chinês), com o diferencial de ser (quase) completamente não-devocional. Mas o importante mesmo foram os resultados... Vinculando meu novo conhecimento, adquirido com a leitura de Ilusões, à essa nova ferramenta, cheguei finalmente à consciência de que a Verdade que eu tanto buscava não estava fora, mas dentro de mim.

"O sábio corrige sua mente inquieta, agitada, ardilosa, não-confiável, tal como o arqueiro constrói a flecha."
"Nem mãe, nem mãe nem pai, nem outro parente pode fazer tanto bem quanto uma mente bem dirigida."
"Fácil é sempre ver as faltas alheias, difícil é ver as próprias. Espalhamos as faltas alheias como a palha do trigo ao vento, mas as nossas, ao contrário, as dissimulamos, como, no jogo, um astuto trapaceiro dissimula sua fraude."
(Dhammapada versos 33, 43 e 252 )

16 agosto 2006

O segundo Pilar - conclusão

Ok, a leitura deste livro foi muito importante. Mas muito mais importante foi a descoberta que eu fiz, direta ou indiretamente, por intermédio desta leitura. Na época em que tomei conhecimento destas novas idéias, minha mente ainda contava com muito “espaço livre”, ainda havia em mim tranqüilidade suficiente e disposição para auferir novos modelos de pensamento e novas formas de interpretar a vida. Ainda não haviam conceitos pré-instalados, como costuma acabar acontecendo com qualquer pessoa que tenha estudado muito. Também por isso as informações desse livro foram assimiladas e compreendidas com uma facilidade e uma totalidade que talvez hoje não seriam possíveis. Finalmente, agora você vai saber o porquê do título desse post, apresentado em três partes...

A história do livro se passa nos campos do meio-oeste americano, onde o protagonista - o próprio autor - um aquariano típico, sonhador e regido pelo elemento ar, abandonou tudo, para viver de levar passageiros para dar voltas no seu pequeno avião biplano (Richard Bach é apaixonado por aviões e o velho sonho humano de voar, essas mesmas alusões se encontram nos seus “Fernão Capelo Gaivota” e “Longe é um Lugar que Não Existe”). Num dado momento, esse protagonista encontra um homem que faz exatamente a mesma coisa pra viver: Donald Shimoda, que não é outro senão o “messias”, descrito no primeiro capítulo, do qual transcrevi alguns trechos no post anterior. A empatia entre os dois é imediata, e, a partir deste encontro, os dois passam a trabalhar como parceiros. Convivendo diariamente com este ser misterioso, Richard passa a aprender a Verdade diretamente da boca de um autêntico Mestre. A partir daí, princípios fundamentais da tradição oriental começam a jorrar destas páginas leves, porém profundas. Importante frisar que estes princípios filosófico-espirituais são sempre apresentados de um ponto de vista absolutamente descontraído (o autor é um norte-americano convicto). E foi um dos primeiros ensinamentos deste “messias”, encontrado por Richard em algum imenso campo relvado entre Indiana e Illinois, que terminou por me levar à compreensão de uma base fundamental da vida. Fundamental principalmente para qualquer buscador da Verdade, questionador e irrequieto, como eu. Esta base está presente na Bíblia, nos Vedas e Upanishads, nos Sutras Budistas, e até onde eu sei, consta dos princípios básicos de todas as grandes religiões. Mas, por algum motivo, destes que não entendemos, eu a aprendi por meio de um hippie americano meio amalucado, completamente avoado, assim como eu.

Cada vez que Richard perguntava algo muito importante para Shimoda, ao invés de uma resposta simples, quase sempre ganhava a seguinte resposta: “Olhe para dentro de si. Ao perguntar, automaticamente você encontra sua resposta. Isso acontece porque a Verdade já está dentro de você”. Isto me marcou de uma maneira profundíssima, porque eu, de imediato, percebi que era real. O entendimento desta realidade tão simples, porém essencial, tocou meu espírito. Meu modo de entender a vida e as minhas percepções de mundo instantaneamente mudaram, e para muito melhor. Encontrei o Segundo Pilar para minha vida.

O Segundo Pilar:
Antes de qualquer coisa, devo consultar a mim próprio. Olhar para dentro de mim mesmo, com absoluta sinceridade, e fazer as perguntas. A resposta virá. Nem sempre o Caminho pode ser encontrado num livro, ainda que seja um Livro Sagrado. Nem mesmo os mestres irão abrir a minha mente para inserir lá o entendimento. Posso acumular conhecimento, colecionar citações bonitas, mas a compreensão só pode ser encontrada dentro, e não fora. A minha consciência é que me orienta, é meu guia infalível entre certo e errado. Mas escutá-la nem sempre é fácil! A Arte das artes é aprender como ver e ouvir a Verdade, que habita dentro de mim. E viver em acordo com ela.


Nada lhe posso dar que não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar, a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo”.
(Hermann Hesse)

A ciência é incapaz de resolver os mistérios finais da natureza, porque nós somos parte da natureza e, portanto, do mistério que tentamos resolver”.
(Max Planck)

A música e o canto não criam no coração aquilo que não se encontra lá”.
(Abu Sulaiman Al-Davani; Filósofo do século IX)

Seja senhor de tuas vontades, e escravo de tua consciência”.
(Aristóteles)

"Não acrediteis em coisa alguma apenas por ouvir dizer. Não acrediteis na fé das tradições só porque foram transmitidas por longas gerações. Não acrediteis em coisa alguma só porque é dita e repetida por muitos. Não acrediteis em coisa alguma pelo fato de vos mostrarem o testemunho escrito de algum sábio antigo. Não acrediteis em coisa alguma só porque as probabilidades a favorecem ou porque um longo hábito vos leva a tê-la como verdadeira. Não acrediteis no que imaginastes, pensando que um ser superior a revelou. Não acrediteis em coisa alguma com base na autoridade de mestres e sacerdotes. Aquilo, porém que se enquadrar na vossa razão, e depois de minucioso estudo for confirmado pela vossa própria experiência, conduzindo ao vosso próprio bem e ao de todas as outras coisas vivas, a isso aceitai como Verdade. E daí pautai a vossa conduta!" 17:49.
(Sidarta Gautama, o Buda – no Kalama Sutra

Ponham à prova todas as coisas, e fiquem com o que é bom”.
(Paulo apóstolo, em I Tessalonicenses)

14 agosto 2006

O segundo Pilar - parte 2


Por que esse livro foi tão importante para mim?

Primeiro porque, como já disse, através dele tomei conhecimento de uma nova maneira de interpretar a relação homem-Deus, e, assim, eu pude vislumbrar um prenúncio da minha tão desejada liberdade. Como os que me acompanham já sabem, meu primeiro contato com a religiosidade, através do Cristianismo, mas que acabou se dando por intermédio da Torá Judaica, foi extremamente traumático. Meus terapeutas que o digam. Eu só conseguia enxergar medo.

O melhor Caminho a seguir era Cristo, até Deus Pai, que era um Deus amoroso. Até aí, tudo ótimo. O (grande) problema era que, para os que falhassem na tentativa de serem bons “cristãos”, estava reservado o fogo eterno de um inferno de sofrimento infinito. E ser um bom cristão significava, simplesmente, ser perfeito ("Sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste" - Mateus 5:48). E isso me parecia simplesmente impossível... Alguma coisa não estava bem resolvida, ficou meio que pela metade dentro de mim, desde o dia em que resolvi deixar as igrejas. E minha consciência ainda me torturava por isso. Agora encontrara uma forma absolutamente diversa de entender Cristo, entender o Caminho, e entender o próprio Deus. Através de um livro único.
Hoje, você dá um pulo na livraria e encontra vários títulos, com algumas idéias talvez até parecidas com as apresentadas em “Ilusões”. Porém, nos idos da década de 1970, época da geração hippie, e no auge do movimento de contracultura (quando os jovens pensavam, e se preocupavam com algo mais que a dieta da moda ou curtir os últimos hits da parada MTV), estas idéias eram absolutamente pioneiras, significavam um protesto contra os padrões de pensamento dominantes. Mas a leitura de Richard Bach me levaria a um lugar ainda muito mais distante...

Transcrevo abaixo um pequeno trecho do início do livro, o capítulo 1:

O Mestre acreditava que tinha o poder de ajudar a si mesmo e a toda a humanidade, e, acreditando, assim era para ele, de modo que outros viram o seu poder e o procuraram para se curar de seus problemas e suas doenças.

O mestre acreditava que todo homem deve considerar-se filho de Deus, e, acreditando, assim era, e as oficinas e garagens
(ele era mecânico de automóveis) em que trabalhava se apinhavam com aqueles que procuravam a suas sabedoria e o contato com ele, e as ruas de fora ficavam cheias daqueles que desejavam apenas que a sombra de sua passagem pudesse cair sobre eles, modificando suas vidas(...) E assim foi que seguiu para os campos, e os que iam com ele começaram a chamá-lo de o Messias, o que operava milagres, e, como eles acreditavam, assim era(...).

E quando viu que a multidão cada vez o seguia mais de perto, mais terrível do que nunca, quando viu que insistiam para que ele os curasse sem descanso, e sempre os alimentasse com seus milagres, e aprendesse por eles e vivesse suas vidas, foi sozinho para o morro e rezou(...).

E quando a turba o atormentava com seus males, implorando que os curasse, aprendesse por eles, os alimentasse constantemente com sua compreensão e os divertisse com suas maravilhas, ele sorriu pra multidão e disse amavelmente: “Eu desisto”. Por um momento a multidão ficou muda de espanto. E ele lhes falou:
“Se um homem dissesse a Deus que o que queria mais que tudo era auxiliar o mundo sofredor, fosse qual fosse o preço para si, e Deus lhe respondesse o que devia fazer, o homem deveria fazer o que lhe era ordenado?”

“Pois claro, Mestre!” exclamaram. “Devia ser para ele um prazer sofrer as torturas do próprio inferno, se Deus lhe pedisse!”

“Não importa quais fossem essas torturas, nem a dificuldade da tarefa?”

Seria uma honra ser enforcado, uma glória ser pregado a uma árvore e queimado, se fosse isso que Deus pedisse”, disseram eles.

“E o que fariam vocês”, perguntou o Mestre à multidão, “se Deus lhes falasse diretamente, em pessoa, e dissesse: ‘ORDENO QUE SEJAS FELIZ NO MUNDO, ENQUANTO VIVERES!’. O que fariam então?”

E a multidão calou-se e nem uma voz ou som foi ouvido sobre os morros e pelos vales.

08 agosto 2006

O segundo Pilar

Nem preciso dizer que fui procurar pela fonte daquelas palavras, que tinham sido escritas no cartão de Natal que minha mãe recebera, e que para mim soaram absolutamente revolucionárias:

“E o que fariam vocês”, perguntou o Mestre à multidão, “se Deus lhes falasse diretamente, em pessoa, e dissesse: ‘ORDENO QUE SEJAS FELIZ NO MUNDO, ENQUANTO VIVERES’. O que fariam então?”

Deus ordenando felicidade aos homens... Todos os homens e mulheres santos que eu conhecia, tiveram que sofrer tanto em nome da sua fé... Essa nova visão era, sem dúvida, uma possibilidade bastante atrativa. As imagens de terror no meu inconsciente, instaladas desde a época da leitura do Antigo Testamento da Bíblia, ainda me perturbavam. Imaginar que a vontade de Deus para minha vida, pudesse ser, afinal, simplesmente a minha felicidade, tinha feito surgir um vislumbre de esperança num novo tipo de vida. Na verdade, havia sempre uma ponta de culpa em minha consciência, por ter abandonado, primeiro a idéia da vida religiosa, e depois, por ter deixado de freqüentar a igreja.

A pessoa que tinha enviado o cartão havia sido uma prima minha, distante, que eu só via muito de vez em quando, uma ou duas vezes a cada dez anos, mais ou menos, apesar de morar também em São Paulo (minha família é extremamente desunida – nada me causa mais tristeza do que ver aquelas famílias grandes, super-unidas, em que todos se dão bem, que no Natal reúnem dezenas de pessoas...). Assim, eu entrei com contato com essa prima, mas ela de pronto não soube me informar a origem da mensagem – ela tinha copiado de um outro cartão, que recebera, de alguém que já não se lembrava(:P)... Mas eu pedi e insisti muito com ela, para que verificasse, porque eu queria mesmo muito saber de onde vinham aquelas palavras. Nessa época ainda não havia internet, e pesquisar coisas desse tipo eram MUITO mais difíceis. Bem, o fato é que após algumas dúzias de telefonemas, ela finalmente se dignou a me passar o telefone do tal amigo, para que, se eu quisesse, entrasse em contato com o rapaz e pedisse a informação que eu tanto queria. Ela se recusava a fazê-lo, não sei porque, achava que seria um “mico” fazer isso. Mas eu não tive dúvida: Peguei o telefone e liguei para o desconhecido. Atendeu a mãe do tal rapaz, muito desconfiada, dizendo que o filho trabalhava o dia inteiro, estudava a noite, e que não poderia me dar o nº comercial. Disse ainda que ele, aos finais de semana, costumava viajar, então seria praticamente impossível encontrá-lo. Após umas setecentas e quarenta e duas tentativas, a gentil senhora percebeu que eu não iria desistir tão fácil, e me passou o telefone do trabalho do moço...

Me apresentei como primo da prima, para a qual ele havia enviado um cartão de Natal com os dizeres que me haviam despertado tanto interesse. Pela voz, o cara pareceu achar esse meu interesse um tanto quanto sem propósito. Eu tentava entender como alguém com sensibilidade pra mandar uma mensagem assim poderia reagir daquele jeito. Mas a resposta veio logo: Ele tinha recebido um cartão da namorada, com aqueles dizeres, achou bonito e resolveu repassar para um monte de gente. E agora? Eu não me deixei desanimar – perguntei se ele poderia me fazer o favor de checar com a menina, de onde tinha tirado a frase. O cara quis saber por quê, não gostou da minha intromissão nas coisas dele, tudo por causa de um cartão de Natal. Mas disse que ia ver. Pra ele eu não precisei ligar setecentas e quarenta e duas vezes (;P), acho que foram só umas quatro ou cinco... Afinal, consegui a informação que queria.

A frase havia sido retirada da introdução do livro “Ilusões” do Richard Bach. Sim, sim, ele mesmo – o mesmo autor de Fernão Capelo Gaivota (Nunca entendi por que Fernão Capelo é mais conhecido. Ilusões, para mim, é muito mais importante, em todos os sentidos). No mesmo dia, corri para a livraria do meu bairro, onde fui informado que o livro, escrito em 1977, estava fora de circulação já há algum tempo. A próxima etapa seria, então, uma corrida ao centro da cidade, para iniciar um garimpo pelos sebos da cidade. Isso teria que ser feito no dia seguinte, pois o horário comercial já se encerrava. Mas no dia seguinte aconteceu algo que eu até então sequer poderia imaginar. Eu estava pronto para ir ao centro, visitar os sebos que eu conhecia, em busca do livro, logo após o almoço. Mas nesse mesmo dia, meu irmão apareceu em casa, para almoçar, com uma novidade: Debaixo do braço trazia um pequeno livro de capa preta, com uma pena azul flutuando no espaço. O título, em letras brancas – Ilusões – as aventuras de um Messias indeciso!! Eu havia comentado com minha mãe sobre o livro, que comentou com meu irmão. E ele, meio sem querer, acabou comentando a respeito com um colega, no trabalho, que não só tinha o livro, como o deu de presente a ele!!!!

É isso. A coleção de letras que mudaria a minha vida para sempre, veio até mim dessa maneira espontânea, gratuita, como um abraço sincero ou o carinho de um filho pequeno. De graça, como tudo que há de melhor nessa vida. Mal podia esperar para conhecer o restante do conteúdo daquela obra, da qual um pequeno trecho me impressionara tanto. Abri aquele pequeno volume, e o prefácio já me encantou. Logo passei para o capítulo 1, que fora impresso com letras escritas a mão, reproduzindo as mãos de um mecânico, sujas de graxa (você vai entender depois): "Houve um Mestre que veio à Terra, nascido na terra santa de Indiana, criado nos montes místicos depois de Fort Waine..."

01 agosto 2006

Fim e recomeço

Passei mais de um ano nessa vida de Conrai. Até uma ocasião em que contraí uma gripe fortíssima, daquelas que te deixam indisposto até para se mover. Mesmo assim, compareci ao dojô, fiz o treino da manhã e o da tarde, além de cumprir todas as minhas tarefas diárias. À noite, fiz mais um treino, mas já estava com febre alta e sem nenhuma condição física para participar do último, das vinte às vinte e duas horas. Pedi ao Shihan para me dispensar, por motivos óbvios. Ele me olhou bem e viu que eu estava mesmo mal. Mesmo assim, me disse que teria que participar do último treino, e que se eu me recusasse não precisaria mais retornar ao dojô. Aquilo me deixou muitíssimo irritado. Talvez isso tenha sido mais uma parte daquela história, mais um teste para saber o grau do meu comprometimento, etc, etc. Mas o fato é que, a essa altura, depois de tanto tempo servindo fielmente, sem nunca reclamar de nada, eu já estava mesmo era saturado de ser testado o tempo todo. E eu realmente não tinha condições de fazer mais um treino, extremamente rigoroso e com duas horas de duração. Tirei meu dogui, pendurei no meu armário, que deixei aberto, com a chave, e parti sem olhar para trás. E não voltei. Esse foi o fim da minha vida de Conrai. Deprimente, eu sei. Mas a essa altura eu realmente precisava de um mínimo de tempo para mim mesmo. Eu fiquei um ano sem poder namorar ou estar com meus amigos, nem curtir a vida (um garoto de dezessete anos precisa dessas coisas). Por um ano inteiro, e um pouco mais, esta foi minha rotina:

§ Trabalhar 15 horas por dia no dojô, sem receber nada além de uma pequena ajuda de custo.
§ Ter que estar disponível 7 dias por semana, 30 dias por mês.
§ Esgotamento físico em tempo integral
§ Ser testado psicologicamente todos os dias, em tempo integral.

Realmente já estava sendo demais pra minha cabeça. E assim uma linda história terminou. Claro que o Shihan, além de um mestre, era como um pai para mim, e eu senti muitíssimo tê-lo deixado assim. Mas ele era tão exageradamente duro, o tempo todo, que eu só tive coragem para voltar a procurá-lo anos depois (e foi emocionante). Ele chegou a me ligar algumas vezes, antes disso, mas um retorno meu já estava descartado àquela altura. Eu queria trabalhar, ganhar minha grana, aproveitar um pouco a vida. E assim fiz. A importância da minha vivência no karatê, como já disse, e como ficou claro, foi inestimável. Dentro do dojô eu aprendi uma outra maneira de entender a vida. Conheci o Bushido e aprendi sua importância. Entendi o valor da palavra dada, entendi o significado da palavra honra. Entendi o valor da paciência... Entendi que os limites do corpo podem ser superados, usando-se o poder da mente. As marcas e princípios do Caminho da Espada ficaram gravados de maneira indelével na minha alma e no meu ser, acho que para sempre. Isso que hoje a molecada vê em animes do tipo Dragon Ball, eu descobri, entendi e aprendi, na prática: Controlar e utilizar a energia do ki (Num momento oportuno falarei sobre o que isso, de verdade, significa). Descobri que a minha força poderia ser muito maior do que eu jamais imaginara. Agora eu podia quebrar grossas tábuas e pilhas de tijolos, que aumentavam a cada dia. Eu era veloz, resistente. Meu corpo parecia feito de pedra, minha aparência era a de um daqueles monges Shao Lin que eu via nos filmes: uma massa compacta e delgada de músculos sólidos. E eu guardaria para sempre uma certa maneira de preservar a forma física, que trago até hoje. Minha transformação foi grande e positiva, foi um estágio primordial para mim. Mas agora tinha chegado ao fim.

Recomeço
Foi um pouco antes de abandonar o treinamento no dojô que aconteceu o fato que justifica a palavra "recomeço" no título desse post. No Natal de 1983, minha mãe recebeu um cartão simples, com os seguintes dizeres, escritos à mão, no verso da figura, que representava um arranjo com pinhas e velas:

“E o que fariam vocês”, perguntou o Mestre à multidão, “se Deus lhes falasse diretamente, em pessoa, e dissesse: ‘ORDENO QUE SEJAS FELIZ NO MUNDO, ENQUANTO VIVERES’. O que fariam então?”

Aquela mensagem calou fundo em mim. Até então estava acostumado com o modelo tradicional judaico-cristão de encarar a vida espiritual: Tudo envolvia medo. “O temor ao Senhor é o princípio da sabedoria...” (Uma vez, tive a oportunidade de conversar com um monge beneditino irlandês, a respeito dessa passagem, e ele me confrontou com o original do texto bíblico, esclarecendo essa questão de uma vez para sempre. Mas isso é uma outra história...) Segundo sempre aprendera, até então, nas igrejas que conheci, a obrigação do homem para com Deus era a de servir e obedecer, com temor e total subserviência. O caminho para a salvação seria um só: “O caminho da cruz”, que significaria suportar a todas as provações desta vida com total resignação, sem direito a sequer almejar qualquer tipo de prazer ou alegria, que não fosse a de servir. Aquelas palavras, escritas com esferográfica azul, saltaram aos meus olhos, revelando um modo absolutamente novo de entender a vida espiritual. Ou ao menos levantava uma possibilidade inteiramente nova. O autor falava de algo que até então eu sequer havia considerado.
Ainda que inconscientemente, minha noção pessoal dessa relação Criador-criatura era a seguinte: O Primeiro ordena, o segundo obedece. E esse binômio, quase sempre significava, para o segundo; dor, tristeza, sofrimento, frustração... O que vem agora, leitor, eu poderia chamar, sem dúvida, de o segundo pilar, um dos que sustenta toda a base do conjunto de coisas que eu chamo os meus princípios.