29 setembro 2006

Escolhas


Se eu quisesse ser um padre cristão, teria que fazer voto de pobreza. Se eu quisesse ser um monge budista, teria que abrir mão de todos os confortos materiais, de um modo até mais radical, e também fazer voto de pobreza. Eu não me interessava intensamente, de verdade, por nada, absolutamente nada, que não fosse a Busca essencial. Eu não conseguia me concentrar em nada além disso. Tinha outros interesses, claro, mas nada tão a sério. E não me conformava em ver a indiferença das pessoas com relação às coisas que tão obviamente eram as mais importantes da vida. Quando comecei minhas práticas meditativas, por exemplo, tomei conhecimento de uma outra realidade, um estado de mente mais elevado, superior. Fiquei empolgado com a minha descoberta, e quis compartilhar com o mundo! Mas qual não foi minha surpresa (e decepção) ao descobrir que ninguém estava muito preocupado em evoluir, descobrir-se, “conhecer a si mesmo”, como já aconselhara Sócrates, aproximadamente 2.500 anos atrás. Cada ser humano ao meu redor simplesmente parecia satisfeito em viver sua curta e medíocre vida, sem se importar com nada além de conseguir e manter um bom emprego, para poder pagar contas - as contas das coisas consideradas indispensáveis, simplesmente porque era assim o costume dos humanos, desde tempos imemoriais.

Então era isso: Nascer, crescer, se reproduzir e morrer. E tentar fazer isso da maneira mais confortável possível. E pensar não é muito confortável. Estudar, para a maioria, só para conseguir um diploma. Diploma para conseguir um bom emprego. Bom emprego para poder comprar coisas. Coisas que atraem mulheres. Mas, na minha sociedade, eu só posso ter uma mulher. E sobre isso, pra falar a verdade, ainda que eu pudesse ter mais, acho que não ia querer. Sei muito bem que uma mulher só na vida de um homem já é mais que suficiente. Talvez alguns homens pensem o contrário, que seria divertido ter muitas mulheres, mas é só porque quando dizem “mulher”, não estão pensando em esposas, no sentido da palavra, mas sim em escravas sexuais, todas lindas e cheias de glamour, sempre dispostas a satisfazer os desejos do seu “amo”.

Bem, então, se a vida é só isso, então qual a diferença entre ter e não ter? Qual a diferença entre os ricos e os pobres?

Desde cedo eu enxerguei muito claro que a única diferença entre as classes sociais é que uns vivem em gaiolas de ouro, outros em gaiolas de arame e alguns em gaiolas de bambu. Todos escravos de um sistema desumano e irracional. E o pior de tudo é que a maioria nem sequer se dá ao trabalho de questionar essa situação miserável.

Tudo bem, você pode argumentar que viver numa gaiola de ouro tem lá as suas vantagens. E eu reconheço que talvez sim. Até porque o problema não está no dinheiro em si, mas na forma como temos que vender nossas almas ao diabo para poder tê-lo. Isto é, para um cara que não nasceu rico, qual a única maneira segura e honesta de ficar rico? TRABALHO, TRABALHO, TRABALHO... 12, 14, 16, 18 horas por dia (olha que eu sei do que estou falando). Se alguém aí conhecer uma outra maneira, além de ganhar na loteria ou dar o golpe do baú, sou todo ouvidos. Isto é que eu chamo de "vender a alma" por dinheiro, simplesmente porque você deixa de ser si mesmo em prol de gerar riqueza. O dinheiro exige de você todo seu tempo, todas as suas energias, seu pensamento, tudo que você tem de melhor, enfim. Assim você até consegue ficar rico. Em troca da sua alma...

Literalmente, troca-se a evolução do ser pela involução do ter. Por que será que os grandes homens de todas as religiões, praticamente sem exceção, ou eram ou se fizeram pobres?

“Mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha que entrar um rico no Reino do Céu”(Matheus 19:24 - Lucas 18:25). É uma afirmação clara, explícita, taxativa. Sim, sim, eu sei que uma série de “gurus da nova era” já se desdobraram para tentar suavizar essa frase, dizer que talvez o “fundo de agulha” em questão fosse o nome com que chamavam um determinado tipo de porta nos muros da cidade de Jerusalém, outros dizem que a palavra “camelo” significaria um tipo de corda usado na época, etc, etc... Tudo inútil, se considerarmos que essa não foi a única afirmativa de Jesus no sentido de condenar os que dedicam suas vidas a construir riqueza. Ele diz que não podemos ter dois senhores, Deus e o dinheiro, porque haveremos de amar um e odiar outro (Matheus 6:24 - Lucas 16:13). Somos exortados a guardar nossos tesouros no Céu, e não na Terra – “Porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Matheus 6:21 - Lucas 12:34). “Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação” (Lucas 6:24). “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo que tens e dá aos pobres. Depois, vem e me segue” (Matheus, 19:20-21). Há inúmeras passagens no Novo Testamento condenando os ricos, e de forma inapelável.

Também Sidarta Gautama, o Buda, ao descobrir que no mundo existiam miséria, doença, dor e sofrimento, deixou seu título de nobre e todas as suas riquezas, para se empenhar de corpo e alma na busca da libertação. Francisco de Assis, quando ouviu o chamado do próprio Cristo, abandonou tudo que tinha (até as roupas do corpo); ele, que havia nascido rico, para dedicar-se em tempo integral à “reconstrução” da Igreja e o serviço aos pobres. Assim também diversos “homens santos” hindus, assim também Mahatma Ghandi, Ramana Maharshi, Teresa de Calcutá, Francisco Cândido Xavier, etc, etc, etc...

Parece que todos que viram a Verdade, de alguma forma, simplesmente deixaram de dar importância ao dinheiro, aderiram a um estilo de vida absolutamente minimalista, e foram muito mais felizes. Seres humanos realizados, mesmo.

Quanto a mim, ainda que de uma forma quase inconsciente, aos poucos, fui deixando de lado minhas expectativas de sucesso material, em prol daquilo que realmente me interessava. Conclui o ensino médio e resolvi dar um tempo com os estudos. Arranjei um trabalho como bancário, em meio período, e fui cuidar de fazer o que tinha nascido para fazer: Procurar o Autor da Vida.


Post dedicado ao meu amigo "Who Cares?"

26 setembro 2006

Amor: A Reposta!

Budismo não seria o Caminho. Ao menos para mim, ao menos por enquanto. E agora? Será que o Caminho para a Verdade não está nas religiões? Não me encontrei no Cristianismo, nem no católico nem no protestante/evangélico. Não me encontrei no budismo. “Me encontrei” fazendo meditação, sim, mas me parecia que não era suficiente. Precisava de um caminho definido, estruturado, para seguir, precisava saber o que estava fazendo e o que deveria fazer, e porquê. Queria encontrar um mestre, um guru, que me apontasse o Caminho. Além disso, ainda havia uma questão martelando em minha mente de sincero buscador: Sempre me lembrava da maneira especial como havia chegado até a Igreja Evangélica. E me sentia culpado por estar agora buscando DEUS em outros caminhos. Me sentia às vezes como se o próprio DEUS houvesse me mostrado o Caminho que queria para mim, e eu tivesse rejeitado. Me sentia culpado, e ainda tinha medo do castigo. Minha primeira experiência com a Bíblia, a maneira como primeiro travei contato com o que eu chamo de meu Primeiro Pilar, extremamente traumática, ainda estava guardada dentro de mim, ainda me perturbava, me tirava a paz. Por muitas vezes, me sentia perturbado durante a meditação, imaginando se eu não havia rejeitado o Caminho verdadeiro, no momento em que abandonei as igrejas evangélicas.

Entrei numa fase especialmente conturbada, pensando nessas coisas. Minha consciência não encontrava paz. Um belo dia, andando pelo centro da cidade de São Paulo, essas questões me assombravam intensamente. Pensava que não deveria ter medo, mas lembrava de uma passagem bíblica muito citada pelos evangélicos: “O Temor do Senhor é o Princípio da Sabedoria”. E agora? Devo ou não ter medo? O medo é bom ou atrapalha? E até que ponto? E eu deveria sentir medo por causa das minhas escolhas? Eu estava vindo da Galeria do Rock, e resolvi entrar numa loja "Livrarias Loyola". Pensava em abrir um exemplar da Bíblia, que eu não lia já há muito tempo, e ler alguma passagem, na esperança de encontrar orientação sobre o que fazer.

Entrei na loja, folheei algumas publicações interessantes. Então me encaminhei para a seção de Bíblias, com o pensamento intensamente focado nessa questão que me perturbava. Antes de chegar à prateleira das Bíblias, percebi, em cima de um balcão, um pequeno cesto com alguns cartõezinhos coloridos. Peguei um deles, o que estava em cima de todos. E senti um calafrio percorrer meu corpo! Ali estava exatamente a resposta que eu estava procurando:

Eu trouxe o cartão para casa.


Eu entendi que a mensagem era para mim, e era muito clara. Era como “ouvir” DEUS falando diretamente comigo! Trouxe o cartãozinho comigo, para casa, e o guardo até hoje.

A Bíblia está dividida em mil cento e oitenta e nove capítulos, subdivididos em trinta e um mil e cento e dois versículos. A cidade de São Paulo é considerada a quinta maior metrópole do planeta e a terceira mais populosa.

Quais as chances de um homem que caminha no centro dessa cidade gigantesca entrar, por acaso, exatamente nessa determinada loja, entre milhares de outras, e dentro dessa loja se dirigir exatamente ao lugar onde, por acaso, há um pequeno cesto com cartões contendo versículos bíblicos aleatórios, e, também por acaso, pegar exatamente o cartãozinho que contem o versículo que tinha a perfeita resposta para a dúvida que o atormentava naquele exato momento?

Esta não foi a única vez que algo assim me aconteceu. Mas foi uma das mais marcantes. Dei graças e parti para continuar minha caminhada. O tempo urgia, e eu tinha que achar minhas respostas. E agora podia descartar o medo irracional.

22 setembro 2006

Eu, budista


Eu levava a Busca REALMENTE muito a sério. De verdade. Por isso para mim não bastava apenas estudar, ler livros, participar de cursos e seminários, apreciar as religiões e filosofias como quem olha peixinhos num aquário. Eu queria encontrar a Verdade, eu queria vivê-la, experimentá-la, “me tornar um” com ela. Eu não estava disposto a escolher uma ideologia como quem escolhe a cor da roupa que vai vestir. Eu não queria “brincar” de ser budista; se eu viesse a entender que o Caminho era este, então me tornaria um monge. Pode parecer estranho, e sei que hoje meu comportamento seria diferente, mas este era o meu modo natural de ser. E lá fui eu, estudar o budismo. Mais uma vez, “enfiei a cara” nos livros sobre o assunto, para ao menos tentar entender as bases, os princípios por trás daquele modo de vida que me parecia tão atrativo. Comecei do começo, como é do meu costume. Sakiamuni. Sidarta Gautama. O Iluminado. Buda. Não vou contar aqui a história, ao menos por hora, mas ela já foi exaustivamente contada e resumida em outros lugares. Na verdade, muito pouco se sabe a respeito desse controvertido personagem, sobre o que é histórico e o que é pura lenda. Mas me chamou muito a atenção o fato de os budistas simplesmente não se importarem com isso. Lhes basta seguir “O Caminho do Despertar”.

Depois de estudar e me encantar com a saga do Buda histórico, procurei os grandes templos, para conhecer de perto a realidade do universo budista. Conheci monges, abades e reverendos de diversas linhas: Theravada (do páli = Ensinamentos dos Antigos; escola do grupo Sthaviravada, fundada pelo monge Moggaliputta Tissa), Mahayana (do sânscrito = Grande Veículo; movimento surgido por volta dos séculos I-II que procura valorizar a libertação de todos os seres através da compaixão dos Bodhisattvas), Vajrayana ( do sânscrito = Veículo de Diamante; forma esotérica do buddhismo Mahayana, baseada nos ensinamentos dos Tantras)... Fiz especiais amizades na Comunidade Budista Soto Zenshu - Templo Busshinji, no bairro da Liberdade, em São Paulo, na Associação Religiosa Nambei Honganji e no Centro de Dharma da Paz Shi De Choe Tsog – Budismo Tibetano. Mas foi no Templo Higashi Honganji, no Bairro da Saúde, em São Paulo, que me matriculei no curso de formação em budismo. E foi nesse mesmo templo que eu conheci o homem que se tornaria para mim um verdadeiro guru, e me ensinaria, da maneira mais profunda e verdadeira possível, o que significa ser budista, na prática.

Nesse estágio, eu meditava na escola Soto Zenshu, e estudava no Higashi Honganji, com os Reverendos Neves e Imai. O ambiente dos templos era para mim simplesmente arrebatador, em termos de paz e serenidade; era simplesmente impossível permanecer nestes lugares sem me sentir invadido por uma sensação de intensa tranqüilidade e quietude. Quanto mais estudava, eu entendia que o Budismo, de um certo modo, provavelmente é o mais próximo possível da Verdade que os esforços humanos podem chegar.

Mas eu tinha problemas com a questão ritualística. Se o budismo se pretende uma “ciência” da alma, então porque tantas formas e alegorias? Isso me incomodava. Toda aquela infinidade de Budas e Bodhisattvas, todo o folclore... Havia a questão da devoção ao Buda Amida (a divindade japónesa que governa a região da felicidade, o céu. É um dos cinco Niorais ou Budas da meditação; personifica a inteligência da prédica, e a caridade no amor). A única tradição que não possui este conceito é a Theravada. Sobre esse ser mítico não há muito consenso entre as linhas budistas, mas, num certo sentido, é ensinado que dependemos dele para nos iluminarmos. Os que já me conhecem podem imaginar que eu não me sentia nem um pouco a vontade com idéias como essa. E havia ainda a questão da reencarnação**. Como e porque crer e ter como verdade indiscutível algo que não podemos saber, realmente (pelo simples fato de que nunca experimentamos)? Afinal, ciência é isto, aceitar apenas o que se pode provar. Se fosse para aceitar preceitos tradicionais puramente pela fé, eu nunca teria deixado o Catolicismo, que era a religião dos meus pais. Minha
idéia de ser padre não vingou por causa desse tipo de coisa, lembram-se? Até que ponto eu era capaz de engolir alguma coisa que já chegava pronta e mastigada, como verdade absoluta? - “Não acrediteis em coisa alguma apenas por ouvir dizer. Não acrediteis na fé das tradições só porque foram transmitidas por longas gerações. Não acrediteis em coisa alguma só porque é dita e repetida por muitos. Não acrediteis em coisa alguma pelo fato de vos mostrarem o testemunho escrito de algum sábio antigo. Não acrediteis em coisa alguma só porque as probabilidades a favorecem ou porque um longo hábito vos leva a tê-la como verdadeira. Não acrediteis no que imaginastes, pensando que um ser superior a revelou. Não acrediteis em coisa alguma com base na autoridade de mestres e sacerdotes. Aquilo, porém que se enquadrar na vossa razão, e depois de minucioso estudo for confirmado pela vossa própria experiência, conduzindo ao vosso próprio bem e ao de todas as outras coisas vivas, a isso aceitai como Verdade. E daí pautai a vossa conduta!" (Kalama Sutra, 17:49) - Apesar dessa famosa frase do próprio Buda, na prática não era isso o que acontecia na maioria das ordens budistas que eu conheci. Nunca foi da minha natureza seguir rituais às cegas, sem saber exatamente o que estava fazendo e porquê.

Eu havia manifestado, claro, meu interesse em me tornar monge a este admirável homem que mencionei, o reverendo Neves. Num belo dia ele me olhou bem nos olhos e me disse: “Gafanhoto (brincadeira, ele falou meu nome real, que é segredo ;-)), há uma coisa importante que você precisa saber: Mesmo que você venha a se tornar um monge, lembre-se que nada em sua vida vai mudar tanto, isto é, nada ‘especial’ vai acontecer simplesmente por você fazer votos e raspar a cabeça. Nossas vidas como monges não são tão diferentes da sua como cidadão comum. Eu, por exemplo; minha rotina é cuidar da horta, ir ao banco pagar as contas do templo, cuidar de diversas questões administrativas, ministrar aulas aos novatos e leigos... Nada muito diferente da sua vida. Ando ocupado o dia inteiro com a minha rotina. Se o seu objetivo é realmente encontrar a Verdade, saiba que não chegará mais perto dela entrando para o Templo. Nem deixando de entrar. A Busca pela Verdade é algo pessoal. Posso lhe assegurar que há monges que não tem a menor idéia do que seja essa Verdade que você procura, apenas estão no serviço religioso por comodidade, ou por amor as tradições. Então, lembre-se: Se você quiser se juntar a nós, no serviço, será muito bem vindo. Você é um garoto especial (desculpem a falta de modéstia, mas eu não achei que deveria suprimir um elogio sincero, que ganhei de um homem sincero). Mas lembre-se que encontrar a Verdade não está, necessariamente, relacionado à vida monástica”.

Não preciso dizer que minhas esperanças se desvaneciam novamente. Eu não estava interessado em ser monge para dar continuidade a uma tradição, por mais bela que fosse. Eu queria... Bem, vocês já sabem o que eu queria.

E assim terminou a minha fase budista. Mas não a minha amizade com os reverendos, que continua até hoje.

"Por mais que um grande fogo incendeie o universo de bilhões de mundos, devemos atravessá-lo para procurar ouvir o ensinamento, alegrando-nos na Mente Confiante, mantendo-a e praticando-a. Isto porque, mesmo que muitos bodhisattvas desejem ouvir este ensinamento, ainda assim é muito raro conseguí-lo. Caso alguém venha a ouvi-lo e seguí-lo, jamais retornará até atingir o Estado da Iluminação Suprema".
(Sutra Maior de Amida)

** A palavra reencarnação é usada com frequência para se referir aos renascimentos. No entanto é geralmente aceito pelos instrutores budistas atuais que, em vista das doutrinas budistas de Anatta (não-eu) e Anicca (impermanência) que reencarnação é um conceito considerado por muitos como incompatível com o ensinamento budista. O renascimento (ou emanação) descrito pelo budismo é em vez disso uma herança de agregados impermanentes, não de uma verdadeira identidade permanente.

18 setembro 2006

A descoberta do Budismo

Uma coisa me incomodava: mesmo após longas e intensas sessões de meditação, eu retornava para o meu estado mental “normal”, depois de algumas horas. Ou então, na melhor das hipóteses, ao acordar no dia seguinte. O estado mental ordinário, de pensamentos compulsivos e ansiedade generalizada, era o meu padrão normal, até porque, eu sou um ser humano ansioso por natureza. Mas isso tinha que mudar! Caso contrário, eu não conseguiria chegar a lugar algum, na minha busca.

Em contrapartida, viver alienado do mundo, somente para a meditação, orações e estudo, o tempo todo, eu não podia. O mundo é dinheiro, tempo é dinheiro, a vida, aqui nesse planetinha (que era onde eu tinha nascido, afinal de contas) girava em torno do dinheiro. E eu precisava trabalhar, porque tinha nascido pobre. Mais do que isso, se eu quisesse ser “alguém” na vida, era preciso me interessar (e me dedicar) pelo menos o mínimo, pelas ciências secularistas. Precisava concluir meus estudos, me formar em alguma área, ainda que as coisas "do mundo" realmente não me interessassem o suficiente. Ou então eu poderia me tornar um andarilho, uma espécie de "Kwai Chang Kaine" tupiniquim, andando pelas ruas, vivendo de um “bico” aqui, outro ali, parando para meditar em cada banco de praça; levando a sabedoria e os benefícios do modo de vida Zen por todos os lugares em que eu passasse, através do meu exemplo(rs). Bem, mas eu achava que talvez a idéia não fosse de todo ruim. Alguém aí se lembra da série "Kung Fu", com David Carradine? Eu até entendia de artes marciais! Ah, como era bom sonhar...

Mas na cabeça de um garoto de 22 anos, preocupado mais do que tudo com a busca pela Verdade e pelas coisas de DEUS, isso não parecia tão insano quanto parece hoje. Ou talvez até parecesse loucura, mas no fundo era isso que eu mais queria: "Pirar" de vez, para o mundo materialista. Eu já me sentia mesmo um "estranho no ninho", nesse mundo, a maior parte do tempo... E foi exatamente nessa fase que eu conheci uma filosofia de vida que até então ainda me parecia distante e exótica.

O Budismo. Um caminho que me pareceu mais um modo de vida que uma religião, no qual a vida é interpretada com beleza e suavidade. A ênfase está mais no amor à sabedoria que nos rituais em si, e os devotos são exortados a realizar, cada um, sua própria “pesquisa” sobre as coisas, através da busca pessoal. Busca-se o fim do sofrimento, através do conhecimento da própria mente. Eu me encantei. Minha cara! Mas, antes de qualquer outra coisa, me encantou a história do fundador da religião, o Buda histórico, Sakiamuni, o príncipe Sidarta Gautama. Sua história de vida se parecia assustadoramente com a minha própria, dadas as devidas proporções. Ele abdicou de tudo para buscar a Verdade, a partir do momento que soube que existiam a morte, doença, miséria e sofrimento... Não tinha como não me identificar.

Foi assim que encontrei uma bela oportunidade para abraçar de vez o tipo de vida com a qual eu sempre sonhara: Passar meus dias inteiros estudando e meditando. Uma vida completamente devotada à busca do Sagrado, da Verdade suprema por que tanto ansiava. Simplesmente poderia viver para aquilo que eu achava o mais importante, e o que mais me realizava, isso em tempo integral. Como? Me tornando um monge budista!

11 setembro 2006

Sentir e Pensar

Na mesma época em que descobri e me entreguei com maior empenho e dedicação à prática da meditação (O que me trouxe benefícios inestimáveis), foi que tomei conhecimento do mais polêmico de todos os gurus espirituais: Rajneesh Chandra Mohan Jain, ou Bagwan Shree Rajneesh, ou simplesmente Osho. Não pretendo entrar em detalhes sobre este controverso personagem, por hora, até porque penso em fazê-lo mais adiante.

Osho fez fortuna por meio da sua pregação, a um público quase que completamente constituído por jovens. Ele provocou um escândalo internacional com suas cerimônias tântricas, que na opinião de muitos não passariam de alegres orgias sexuais. Possuía terrenos, hotéis, uma rede de casas de massagem na Europa (isto é, prostituição), e uma frota de 91 Rolls-Royces. Acusado de perversão, realização de lavagem cerebral e sonegação de impostos, foi deportado dos Estados Unidos para a Índia, onde morreu de Aids. Nos EUA, respondeu por 35 acusações e foi condenado a dez anos de prisão com sursis. Foi expulso também da Grécia, foi rechaçado da Alemanha e da Espanha, só conseguiu entrar na Irlanda porque seu piloto alegou ter um doente a bordo. Sua secretária Sheela Birustiel-Silvermann (Ma Anad Sheela) foi extraditada da Alemanha, onde estava no cárcere em Bühl, e foi condenada pelo tribunal federal de Portland (Oregon), em 1986, a quatro anos e meio de prisão, por fraude e envenenamento alimentar. A investigação revelou que centenas de jovens mulheres foram constrangidas a aceitar uma cirurgia de esterilização. E por aí vai...

O “mestre” não era fácil. Só estou publicando este pequeno resumo da sua biografia, que mais parece uma ficha policial, porque sei que até hoje existe uma profunda espécie de idolatria em torno da memória deste homem, e, desde a sua morte, muitos mitos foram criados ao seu redor, prontamente aceitos como verdadeiros pelos buscadores mais inexperientes. Em resumo: Acho fundamental mantermos um “pé atrás” sempre que nos dedicarmos a estudar os “ensinamentos” de Osho, porque entendo como perfeito o princípio ensinado por Jesus: “Uma árvore se conhece por seus frutos”(Mt. 7:15-20). Este princípio é uma verdade inexorável, impossível de ser negada. Trata-se da mais pura lógica. Uma árvore boa dá bons frutos, e não pode uma árvore boa produzir “maus frutos”.
Em todo caso, foi através do “Livro Orange”, do próprio Osho, que primeiro encontrei uma definição clara e acessível do que é meditação, e como meditar - Embora este tema seja bastante controverso: Diversas escolas apresentam definições diferentes ou contraditórias, às vezes até antagônicas, para o termo “meditação”.

E como estava entrando numa fase de procurar os chamados grandes mestres, os mais influentes mentores da humanidade no quesito “espiritualidade”, não demorei muito até tomar conhecimento da obra de Jiddu Krishnamurti, este sim, um autêntico e inquestionável filósofo, no mais elevado sentido da palavra. Um homem que negou até o fim o título de “mestre” ou “guru” espiritual, que abriu mão de ser líder da Sociedade Teosófica de Anne Besant e madame Blavatsky, o que lhe proporcionaria conforto, fama e facilidades, para se dedicar a um caminho solitário em busca da Verdade (Uma árvore se conhece pelos frutos...).

Etudando, a um só tempo, Osho e Krishnamurti. Não preciso dizer o tamanho da piração ;-). Os dois são completamente "loucos", cada qual ao seu estilo (Não vai aqui nenhum termo pejorativo. Ambos os autores se proclamam loucos, este é exatamente um dos pontos em comum na fala de ambos: É preciso “enlouquecer” para o mundo, para encontrar a Verdade). Então é isso. Aos meus vinte e um anos, eu estudava e meditava, meditava e estudava. Muito. Constantemente pedia iluminação em minhas orações. Uma de minhas técnicas favoritas para entrar em estado de meditação era a Tratak, que é um método onde o praticante foca a visão num determinado objeto, como a chama de uma vela (Acredita-se que este método tem uma grande capacidade de gerar melotonina no cérebro, e por isso mesmo, seria uma prática, em especial, potencialmente redutora dos riscos de câncer).

Mas, tenho que dizer, apenas a meditação, por si só, não bastava. Eu pensava que, se o Universo quisesse que eu ficasse apenas nesse estado de transcendência todo o tempo, então não precisaria ter nascido, poderia ter ficado no lugar onde estava antes. Eu tinha plena consciência de que estava aqui por alguma razão, havia nascido por algum motivo, e este motivo era para mim a coisa mais importante de todas. E eu tinha que começar logo! Além de tudo, os princípios e conhecimentos que adquiria através da prática meditativa eram ainda muito amorfos, isto é, não me davam um direcionamento definido para minha vida. E eu queria saber exatamente o que eu tinha que fazer. Eu queria respostas. Dentro de mim ainda vivia aquele garotinho de quatro anos querendo desvendar os grandes segredos da vida. Eu ainda queria, mais que tudo, encontrar DEUS.

04 setembro 2006

Eu vejo!! - conclusão

O impacto que eu senti ao poder comprovar, na prática, que realmente era possível alterar o meu estado mental/consciencial, através da prática meditativa, fez com que eu passasse a me dedicar, cada vez mais e com maior freqüência, a este método de “pausar” a agitação ordinária dos pensamentos, para conseguir enxergar além do comum. E, de fato, eu podia sentir, na rotina do dia-a-dia, minha criatividade aumentando, a serenidade em todas as situações se fazendo presente, rendendo frutos palpáveis na minha história...

Cada nova complicação que surgia, na minha vida pessoal ou profissional, que eu não conseguia resolver “normalmente”, era solucionada na penumbra do meu pequeno quarto, que já exalava perfume de lótus e boas vibrações (ao menos para mim). Ao final de cada prática, eu emergia da penumbra para uma “luz” que sempre me parecia nova, com uma solução prática escrita num pedaço de papel. Pouco tempo depois de cada sessão, eu mesmo não conseguia mais me reconhecer nas letras que havia acabado de traçar. Preciso deixar bem claro, aqui, que não estou me referindo a fenômeno mediúnico ou a “canalizações” de qualquer tipo. O que ficava cada vez mais evidente nos palavras que eu escrevia, ainda em estado de consciência alterado, logo após as práticas meditativas, era a enorme diferença entre o “eu” vulgar, do cotidiano agitado, sem tempo pra parar e pensar em qualquer coisa que não fosse materialismo imediatista, e o “eu” que vinha à tona durante as práticas.


Num belo dia, enquanto meditava, o que eu sempre fazia diante de um espelho de corpo inteiro, olhei e vi uma imagem refletida inteiramente diferente da minha habitual. Vi um suave sorriso em minha face, harmonia extraordinária nas minhas feições e uma postura a um só tempo confiante e tranqüila. Também achei que estava um pouco mais magro que o normal, mas o que mais me impressionou foi a impressão de absoluta serenidade que minha própria imagem transmitia. Fui invadido por um sentimento de profunda paz, tomando conta de todo o meu ser, como se estivesse diante de um ser “superior”. Neste estado mental alterado, acabei me lembrando do que aprendera com a leitura do livro “Ilusões”, e comecei a me fazer perguntas, mentalmente, como se eu estivesse subdividido em duas “entidades” separadas. Era como se o “ser” a minha frente fosse um “mestre”, apto a me guiar pelo Caminho da Verdade.

Esses “diálogos internos” acabaram por me ajudar muito, coisa que jamais poderia supor. Guardo até hoje uma pilha de cadernos velhos, com páginas amareladas e espirais deformados, com essas “conversas imaginárias” que registrei, sobre os mais variados assuntos. Ainda vou publicar algumas delas, algum dia. Na época, pensava em transformar esses textos em livro, porque as pouquíssimas pessoas a que mostrei alguns pequenos trechos, ficaram realmente entusiasmadas. O fato é que acabei sofrendo uma grande decepção com essa história de “editoras espiritualistas” (o que já é uma outra história, para ser contada numa outra ocasião), e assim, resolvi abandonar a idéia por um tempo.

01 setembro 2006

Eu vejo!! - parte 2


Depois da meditação, abri a janela do quarto, e percebi que o sol ainda não brilhava no horizonte. Achei estranhíssimo, pois a impressão que eu tinha era de que tinha ficado por horas a fio num estado de suspensão das agitações do pensamento. Como eu tinha iniciado a sessão às 17 horas e 30 minutos, aproximadamente, naquele momento já deveria estar escuro... Saí no terraço, olhei o horizonte: Ainda devia faltar pelo menos uns vinte minutos até que o sol desaparecesse por trás de uma das torres da Av. Paulista. Em todo caso, voltei para dentro do quarto e peguei os papéis onde havia escrito coisas quando ainda em estado meditativo.

Eu havia acabado de escrever aquelas palavras, mas relendo tudo, agora, simplesmente parecia difícil crer que havia sido eu mesmo o autor! Gravados no papel, com letras que nem mesmo lembravam a minha caligrafia habitual, havia uma série de aforismos e máximas, sublimes, sobre alguns princípios básicos para uma vida espiritualizada. Pensei por um momento que somente alguém que viu a Verdade seria capaz de escrever aquilo.

Minha mente começava já, lentamente, a retornar ao estado habitual de agitação e ansiedade, e a sensação era de que o meu “eu” comum, ordinário, não seria capaz de entender aquelas palavras. Entender intelectualmente sim, o pequeno texto não era uma obra de erudição refinada/complicada, nem muito menos um amontoado de palavras ininteligíveis... Mas devo confessar que, naquele momento, eu não seria mais capaz de escrever aquelas coisas.

O valor incomum da escrita estava exatamente no significado das palavras. Eu não tenho mais esse papel (ou não sei onde foi parar, porque fora não joguei), mas haviam afirmativas sobre a transitoriedade do mundo físico, a importância de se manter a mente serena e da prática da auto-observação, e também sobre a igualdade entre todos os seres e a excelência do amor fraterno. Impressiona-me hoje pensar que coisas que apenas mais tarde eu viria a estudar, em especial quando enveredei pelas vias do hinduísmo, apareceram antecipadamente, de maneira espontânea, a partir do momento em que eu me dispus aquietar minha mente e apenas fazer uma pausa... Apenas porque eu me dispus a fazer uma pausa. Foi aí que eu percebi que, se eu apenas pudesse me acalmar, silenciar o lado racional da minha mente, esvaziando-me das preocupações materialistas, uma clareza quase sobrenatural tomaria conta dos meus pensamentos, e, conseqüentemente, da minha vida como um todo. Afinal, tudo que nos tornamos, tudo que somos e temos, começa com um pensamento.