26 julho 2006

Kiai!!! - conclusão

Um ano deste treinamento físico e mental ultraintensivo, a que fui submetido, seria o equivalente a, no mínimo, 5 ou 6 anos de treinamento comum. Afinal, eu fazia quatro treinos por dia, fora as aulas extras, direcionadas. Os praticantes normais, em geral, fazem apenas um treino por dia, três vezes por semana. Eu também fazia dois treinos aos sábados, um de manhã e outro à tarde, e um especial todos os domingos, dos quais só participavam os faixas pretas e eu(!). Além de tudo isso, o tipo de treinamento que eu fazia era muito mais rigoroso que o normal, porque eu era um estagiário no dojô, aspirante a Senpai. Sim, eu realmente aprendi muito. Mas não vou falar aqui da minha evolução como artista marcial. Quero me ater à importância espiritual deste período em minha formação como ser humano. Também não vou entrar agora numa análise aprofundada do que vem a ser o Bushidô (pretendo fazer isto mais tarde, quando esse resumo da história da minha Busca estiver concluído - o mesmo vale para todas as doutrinas que conheci). Por hora, gostaria de compartilhar ainda algumas curiosidades da minha vida de "Conrai":

Nove meses se passaram. Como disse antes, a sede administrativa do dojô Tanaka Karatê Dô funcionava num prédio de quatro andares: térreo, primeiro, segundo e terceiro andares, além de uma vasta sacada no topo, onde práticas também eram realizadas. No térreo funcionava a recepção. Os treinamentos ordinários eram realizados regularmente no primeiro andar. Os exames para faixa preta e graduação dos Senpais, e outros treinamentos especiais, aconteciam sempre no segundo andar. Mas o que havia no terceiro andar... era um completo mistério para todos, até mesmo para os alunos mais antigos! Nunca ninguém era autorizado a subir lá, e muito menos transpor aquela velha e pesada porta de pinho, que eu até então só tinha visto, fechada, nas poucas vezes que precisei subir ao topo do prédio, para a limpeza ou para algum treino diferenciado. Como o Shihan era o perfeito mestre conservador, que valorizava ao máximo as antigas tradições orientais, circulavam entre os alunos inúmeras “lendas” a respeito do que havia no “andar proibido”. Até porque, lá ele se mantinha trancado as tardes inteiras. Alguns diziam que ele ficava trancado meditando, por horas a fio, e que lá dentro apenas havia um enorme salão vazio, repleto de castiçais e incensários. Conhecendo como o conhecia, tenho que dizer que esta hipótese, se confirmada, não me surpreenderia. Outros diziam que ele era uma espécie rara de vampiro japonês, que tinha mais de quinhentos anos, e que ficava deitado num caixão recarregando energias(sic). Como gaiatos nunca faltaram nesta terra, tinha um cara que falava que lá ele recebia amigos e muitas garotas, e ficava na farra o dia inteiro, daquelas da pesada, com bebidas, drogas e rock´n roll. Sacanagem... O fato é que minha imaginação de moleque de 16 anos, claro, ficava estimulada com essas histórias todas, sobre um homem que eu tinha aprendido a amar como um pai, e que era misterioso em sua própria natureza.
Acho honestamente que fui um ótimo Conrai, servi sempre o mais fielmente que pude. O Shihan me lembrava constantemente que teria que retomar os estudos, pois não poderia ser um Senpai sem formação universitária em educação física. Como disse no post “Uma nova descoberta”, eu havia perdido um ano na escola, por isso eu treinava e trabalhava no dojô em período integral, das 6:45 da manhã até algo em torno de 22:30 (após o último treino ainda permanecia para organizar e arrumar o salão).
Num belo dia, ao chegar para o treino da tarde, fui avisado pela recepcionista: “O Sr. Tanaka o espera no terceiro andar” (!!!!). Eu não pude deixar de pedir a ela pra repetir a afirmação, pois o que acabara de ouvir me parecia impossível! Ela apenas sorriu e confirmou. Claro que ela sabia de toda a mística envolvendo o andar proibido. Fiquei super agitado! Torrentes de pensamentos explodiram na minha jovem cabeça! Eu sabia que aquilo era uma enorme honra para um Conrai!! Ou então... eu tinha feito algo muito errado, e uma bronca homérica me aguardava. Como a ordem era pra subir, antes de fazer qualquer coisa, sequer parei no primeiro andar para guardar meu "dogui" no meu armário. Como sempre cumpria as ordens ao pé da letra e de imediato, subi de pronto, dogui dobrado e amarrado com minha faixa (que já era azul), à maneira tradicional, às costas. Chegando lá, verifiquei a porta com cuidado... estava aberta! Entrei com cuidado ainda maior, pisando devagar, afinal, entrava em solo completamente desconhecido, tudo era novo, e eu não sabia o que me aguardava. Shihan Tanaka era um Sensei de outros tempos, mestre de uma arte que hoje não tem mais lugar em nossa sociedade. Alguém que estabelecia como uma das regras para a entrega da faixa preta, um teste no qual o aluno deveria se postar diante de um grande alvo de madeira, e se concentrar. O Shihan, à distância de cerca de uns vinte ou trinta metros, entortava um arco “kyudô” e mirava uma flecha bem no peito do aspirante (que assinava um termo de responsabilidade em caso de acidentes!!)!! Eu sei que parece mentira, mas isso realmente acontecia; esse tipo de teste era exigido, como prova de coragem, determinação e domínio dos reflexos! Bem, mas o próprio Shihan resolveu parar com extremos como esses a partir da ocasião em que um dos aspirantes cometeu um movimento equivocado, escapando por milímetros de receber uma flechada que poderia ter sido fatal! Esse era o meu Shihan! O mesmo que me vinha golpear ruidosamente o abdômen tensionado, com uma "shinai" (espada de bambú), ao final de sessões de 500 abdominais! O mesmo que exigia o condicionamento/calejamento de todos os músculos envolvidos em luta, como punhos, abdominais, antebraços e canelas! Esse homem é que justificava a importância daquele momento, e a grande tensão que eu sentia.

E devo dizer que o que vi, ao abrir a porta, não frustrou minhas expectativas. Você vai saber agora, em primeira mão, o que havia no interior do legendário andar proibido do dojô sede Tanaka Karatê Dô! (rs)

Ao adentrar finalmente o tão misterioso aposento, vi que o espaçoso salão era completamente preenchido por uma espécie de intrincado labirinto, formado por muitas divisórias de madeira, com múltiplos corredores, que imaginei, levavam a várias salas, usadas para fins diversos. Mas havia um corredor principal, no meio dos outros, um pouco mais largo. O mais impressionante era que todas as paredes divisórias que constituíam esse labirinto, eram, literalmente, cobertas por fotografias, de cima a baixo, do começo ao fim. Me aproximei e vi do que se tratavam: Eram fotos de todas as fases do meu Sensei. De cara, na entrada, algumas particularmente interessantes: Shihan ainda jovem, usando apenas a calça do dogui, ostentando um exuberante físico a la Bruce Lee, posição “Zen Kutsu Dachi” (ataque avançado), estilhaçava com o punho esquerdo (e ele não era canhoto) uma pilha de blocos de concreto! Numa outra, dois homens seguravam um outro bloco, maior, enquanto Tanaka voava num espetacular “ushiro-mawashi” (chute giratório), para destruir o bloco em vários pedaços. Numa outra ainda, das que mais me impressionou, aparecia um grão mestre no melhor estilo Tao Pai Pai (aquele mesmo), com a cabeça raspada, cavanhaque e os longos e finos bigodes brancos, pendendo pelos lados da boca. Traje samurai tradicional, sentado em posição de alerta, observando enquanto meu Sensei, ainda muito jovem, decepava um tronco preso verticalmente numa base de pedra, com um golpe de “Shuto Te” (faca de mão). Movimento impressionante! Meu Sensei era o maior, mesmo! Esqueci completamente de mim mesmo, sentindo-me transportado no tempo e no espaço, observando aquelas fotos! Haviam centenas, talvez milhares delas. Uma mostrava o Shihan, seminu, postado sob as pesadas águas de uma grande cachoeira, olhos fechados, em postura “Kiba Dashi” (cavaleiro de ferro). Em outra ainda mais à frente, vi uma fileira interminável de Conrais, que corriam num imenso campo coberto de neve (provavelmente Oeste do Japão). De repente, do corredor principal, ecoou uma voz conhecida, firme e forte como sempre! Ele me chamava, impaciente. Seguindo o som, pelo corredor, fui passando, num estado quase letárgico, por aquelas paredes revestidas com tantas e tantas fotografias incríveis! Finalmente alcancei o final do corredor! Meu coração estava aos pulos. Cheguei numa sala ampla, ricamente decorada com móveis e ornamentos orientais, com uma grande tela com a palavra Karatê em pintura “kanji” na parede principal, atrás de uma longa mesa ornamentada. Sentado detrás desta mesa, o Shihan me esperava. Uma lenda viva! Quando me viu, desenhou-se levemente no seu rosto algo que poderia ser interpretado como um sorriso (coisa rara). Eu devia ter feito alguma coisa muito certa... Ficamos ali, separados por aquela mesa enorme, por segundos que me pareceram uma eternidade. Por fim, ele fez um gesto para que eu me aproximasse. Eu o fiz, e ouvi dele o mais completo inesperado: “Eu tenho muita esperança em você. Sua evolução me agrada, você está indo muito bem. A partir de hoje, você começará a dar aulas para os iniciantes, e eu vou começar a remunerá-lo.”

Emoção! Emoção! Emoção! Não posso explicar o quanto era difícil agradar aquele homem! Só consegui contestar que ainda era faixa azul (neste estilo de karatê, a faixa azul é segunda, logo depois da branca). Ele franziu o cenho e respondeu: “A única função da faixa é segurar as calças. Hoje mesmo você será testado, e estou certo que vai passar direto para a verde” ( a graduação é a seguinte: branca – azul – amarela – verde – marrom - marrom com graus, de um a quatro - faixa preta ). Nem preciso dizer que ganhei o dia!! Logo mais, à noite, passei no exame, que incluiu o “Jiu Kumitê” (luta de contato = combate real = porrada!). Desse dia em diante, me tornei uma espécie de Conrai-Senpai. Meu progresso era realmente incomum, como já disse, graças ao treinamento ultra-intensivo.

Assim eu passei um ano e tanto de minha vida, aprendendo, na prática, o real sentido da filosofia Karatê. Vivenciando as tradições. Sentindo, literalmente na pele, o valor e a importância do mais puro estilo de vida Bushidô... Por que terminou? Por que não continuei neste caminho, e porque não estou nele até hoje? É uma pergunta que me faço até hoje. Como essa história terminou? Aguarde o próximo post...

18 julho 2006

Kiai!!! - parte 2

Fui submetido a um teste que mediu minha resistência, força, elasticidade e inteligência. Passei por uma bateria de exercícios físicos que deve ter durado algo em torno de 40 minutos. Também tive que repetir partes de “coreografias” de luta, os "katas", que são a alma do karatê. Depois de tudo, fiquei aguardando de pé, no centro do dojô, por alguns minutos, enquanto o Shihan deliberava com o Senpai. Lembro-me de tê-lo ouvido comentar a respeito da facilidade que tive nas séries de alongamento e com os chutes básicos. Não demorou muito, ele se virou para mim e disse: “Você está apto. Tem certeza que é isso que você quer?” Eu já ia respondendo afirmativamente com a cabeça, mas logo me lembrei das orientações e mandei um sonoro “Ôssu!!”. Meu novo Sensei, o Shihan Tanaka, pareceu satisfeito com meu desempenho e com a rapidez com que aprendi esta pequena regra, e disse: “Amanhã, às seis e quarenta e cinco da manhã, no dojô da Vila Prudente”.
Eu teria muito pra falar dessa fase tão importante na minha vida. Obviamente não poderei contar tudo, aqui. Não há espaço para falar de dez por cento do que vivi ao lado desta interessantíssima figura, ou das tantas e tantas coisas importantes que com ele aprendi. Foi uma experiência realmente extraordinária. Eu disse no post “Uma nova descoberta”, que essa história aconteceu no momento certo em minha vida, e disse isso porque encontrei este caminho justamente na época em que andava meio perdido, num rumo que pendia para um lado perigoso. E essa experiência completamente nova acabou meio que me recolocando de volta naquele Caminho Maior, de um certo modo. Costumo dizer que não servi ao Exército, mas “servi” num autêntico dojô de karatê japonês, o que é muito melhor. Eu poderia muito bem classificar essa experiência como meu “ritual de passagem” para a idade adulta.

Minha rotina diária no dojô:
Meus dias começavam as seis da manhã, quando levantava da cama, sonolento, para um café rápido e uma caminhada de cerca de 30 minutos, da minha casa até o dojô. Chegava todos os dias pontualmente em torno de 6:45. Passava primeiro na relojoaria para cumprimentar o Shiham, que conferia o horário de minha chegada. Dali eu ia para o dojô, vestir o dogui e me preparar para o início do primeiro treino do dia, que durava uma hora e meia. As 8:30, o treino terminava, eu tirava o dogui e o dobrava à maneira ritualística, coisa que aprendi já no meu primeiro dia de Conrai. Terminado o treino, varrer o salão e uma ducha rápida. Depois, tarefas diversas. Às vezes, distribuir panfletos na esquina da Praça Padre Damião, outras vezes serviços de Office boy, como pagar contas no banco ou entregar correspondências em alguma das filiais Tanaka Karatê Dô. Depois disso, quando sobrava algum tempo antes do almoço, quase sempre era chamado para uma conversa com o Sensei Shihan Tanaka. Eram constantes aulas de Bushidô, sobre comportamento, linha de conduta, moral e ética, orientações a respeito dos treinos e pequenos “toques” sobre saúde e condicionamento físico. Depois de tudo isso, em torno de 11:30, eu era dispensado para almoçar em casa. À tarde, retornar para o treino das 14 horas, no dojô Ipiranga. Após o treino, mais tarefas (com a diferença de que o dojô Ipiranga, que era a sede administrativa, era enoooorme pra varrer...). À noite, fazia mais dois treinos: O das 18 às 19:30 e o último, puxadíssimo, das 20 às 22:00 horas (ufa!). Depois, exausto, era levado pra casa, de carona, pelo Shihan em pessoa.
Disse antes que meu Sensei parecia um personagem de histórias em quadrinhos, e o mesmo posso dizer de toda a minha vivência no dojô: seria digna de uma HQ ou um bom filme de artes marciais. Lembro-me que onde hoje é o anel viário do Sacomã, com todo aquele imenso emaranhado de viadutos, na época havia uma grande e bonita praça, com árvores e jardins floridos, com uma elevação, como uma “colina” em sua margem. Por muitas vezes, após o treino da tarde, quando saía para distribuir panfletos, após o serviço feito, me sentava no alto desta colina para meditar sobre os ensinamentos do dia. As lembranças destes finais de tarde eu guardo com grande carinho, o sol já se pondo, o corpo todo dolorido, do pesado treinamento, e eu ali, sereno, sentado, esperando chegar a hora dos treinos da noite...
Eu via meu corpo se transformar. Dia a dia, mês a mês, acontecia a metamorfose: Um rapaz alto, antes franzino, se tornava um feixe de músculos sólidos, não como um halterofilista, mas sim como um bailarino ou um atleta olímpico, de tendões alongados, cintura estreita e abdômen definido (pensar que hoje a tal “barriga tanquinho” está tão na moda...). Tomava água com limão, sem açúcar, o dia inteiro, nos intervalos entre as longas sessões de treino, que pra mim eram ainda mais puxados. O Shihan orientava a todos os Senpais: “Não dêem moleza pra ele. É um estagiário! Vai ser Senpai!” – “Peguem firme com ele!” – Eu voltava pra casa cheio de manchas roxas pelo corpo, que escondia de minha mãe. Lembro-me das vezes em que, após completar 480 exercícios abdominais de solo, via aproximar-se o Shihan, com o “shinai” (espada de bambu) na mão direita, para golpear meu abdômen... Socar o makiwara (anteparo de madeira revestida de cizal), também era exercício que devia ser feito à exaustão, e por vezes passei horas a fio, sozinho no dojô, fazendo isso. Se parava por alguns minutos, lá vinha o Shihan, surgindo atrás de mim como um fantasma, perguntar: “Por que parou? Continue! Direita, esquerda...” Eu sei que é difícil entender, mas práticas como essa literalmente “modelam o espírito”. Na verdade, estes não deixam de ser métodos extremamente eficientes para meditação zen. Socar um anteparo por longos períodos de tempo faz com que as agitações da mente se aquietem, e por fim cessem. Você se torna um “bambu oco”. Mas nessa época eu não fazia idéia do que isso significava. Enquanto o corpo progride, o condicionamento se torna perfeito, e os nós dos dedos se revestem de calos que fazem de suas mãos, armas. Armas para não serem usadas nunca. - "O espírito ou intuição é mais importante que a técnica; o espírito pressente o perigo e evita o combate" (Gishin Funakoshi). Paradoxal, sim, como a maior parte das máximas e sutras da tradição oriental. Mas nessa época eu também não fazia idéia do que isso significava.

13 julho 2006

Pausa

Mais uma vez, infelizmente, me vejo "forçado" a fazer uma pausa na história da minha Busca, para falar sobre o caos instalado em minha amada cidade. Serei breve. Não vou desperdiçar nem o meu nem o vosso tempo, martelando nas mesmas teclas de sempre. Não vou falar aqui da incompetência do Estado em gerir a segurança pública, nem da falência do sistema carcerário, nem comentar a respeito dos fatores e/ou grupos responsáveis por essa situação trágica.
Só tem uma coisa que eu quero dizer: Se a polícia e o Estado sabem exatamente quais são os "cabeças pensantes" dessa facção criminosa que está assassinando pais de família e aterrorizando milhares de inocentes, então POR QUE não fazem o que todo mundo sabe que deve ser feito - ISOLAR ESSES CABEÇAS?? A solução, na boca do governador e dos secretários e ministros, só parece tão complicada porque deve lhes faltar uma destas coisas: coragem, honestidade ou inteligência. Em qualquer dos casos, tenho que dizer que a situação é frustrante, preocupante, desanimadora...
Não conseguimos acabar com a entrada de celulares nas cadeias. Ora, será que fazer isso seria assim tão difícil? A cada nova revista feita nos presídios são apreendidos dezenas de aparelhos celulares, certo? Pois bem, como esses aparelhos entram lá? Escondidos na vagina ou no ânus de visitas, ou então são levados pelos advogados dos presos. Eu repito: É assim tão difícil resolver esse problema?? Ok, a legislação não permite revista íntima, diz a promotora Aljacira Terra, representante do Ministério Público. Acontece que as visitas são feitas, sempre, duas vezes por semana, comumente às quartas e domingos. Então, porque simplesmente não se faz uma revista completa nas celas, sempre após as visitas???? Isso é assim tão difícil???? Se os celulares entram com as visitas, e as revistas íntimas não são permitidas(o que já é um completo absurdo), que seja feita uma revista completa após cada visita!!!! Será que eu sou um gênio???? ? Só eu pensei nisso???? A Itália ACABOU com a máfia por meio de medidas tão simples quanto essas. É só. Peço perdão pelo desabafo...

12 julho 2006

Kiai!!!


Tsunioshi Tanaka é um dos nomes mais respeitados no mundo (não é exagero), em termos de artes marciais. Ele foi, ao lado de Masutatsu Oyama, o introdutor do Karatê estilo Kyokushin (luta de contato) no Brasil. Referência absoluta. Mas eu nem imaginava nada disso quando o conheci. Ele me pareceu um pouco engraçado (Shihan, eu não creio que o senhor venha a ler isto algum dia, mas, se o fizer, saiba que estou falando com o máximo respeito). Digo engraçado porque me parecia um personagem de história em quadrinhos. Ou então, um daqueles mestres que eu via nos filmes de artes marciais, que tanto gostava, materializado ali, diante de mim. Homem forte, em todos os sentidos. Sério, controlado. Verdadeiro praticante do Bushidô, isso eu posso garantir. Eu tenho o privilégio de poder dizer que conheci intimamente um verdadeiro samurai, um dos poucos de fato, que pisou em terras tupiniquins. Recentemente visitei o Instituto Niten (do mestre Jorge Kichikawa, na Vila Mariana, aqui em SP, a maior e mais respeitada escola de kenjustsu do Brasil), e, ao mencionar o seu nome, todas as frontes se reclinavam. O homem é uma sumidade. Mas agora chega de tietagem em cima do meu antigo Sensei, e vamos a continuação da minha história...

Ele, o Shihan em pessoa, nos explicou, para mim e para o amigo que me acompanhava, a natureza da oportunidade que estava oferecendo em suas escolas. Ele estava abrindo vagas para “Conrai”. O Conrai é uma espécie de aprendiz, dentro de uma escola de artes marciais japonesa. No Japão, é costume o jovem idealista procurar um dojô (escola de artes marciais) para servir como uma espécie de “ajudante geral”. Em troca, ganham o direito a um tipo de treinamento especial, com o objetivo de se formar "Senpai" (instrutor), e depois "Sensei" (mestre). "Shihan" é um título honroso que significa algo assim como Grande-Mestre, normalmente adquirido após a conquista do 6º grau da faixa preta. Os mestres costumam ter um carinho especial por esse tipo particular de aluno, e muitas vezes é para eles que acabam revelando seus maiores segredos. Eles costumam se tornar, mesmo, grandes expoentes dentro do Karatê. Shihan Tanaka, naquela primeira explicação, fez questão de não falar dos aspectos mais glamourosos de ser um Conrai. Deixou claro que teríamos que fazer, no mínimo, quatro treinos por dia: um de manhã, um à tarde e dois à noite. Além disso, teríamos que permanecer o dia inteiro na academia, sendo dispensados somente às 22 horas, para dormir em casa; reiniciando no dia seguinte às 7 da manhã (!). A única liberação seria para ir à escola, de manhã ou á tarde, já que os treinos mais importantes aconteciam à noite. Ele não nos poupou de nenhum detalhe: Que teríamos que varrer o dojô, todos os dias; limpar todas as salas de treino, lavar os banheiros, distribuir panfletos na rua, servir em tudo que fosse necessário. Condição indispensável era o desejo incondicional de se tornar um mestre em Karatê. Karatê Kyokushin não é um estilo de arte marcial “tranqüila”, trata-se de luta de contato, combate real, com simulação de situações de agressão e tudo, inclusive tendo sido adotada por militares, no Japão, como tática de combate corpo a corpo. Por isso mesmo, o treinamento seria muito duro. Eu e meu companheiro ouvimos tudo em silêncio, trocando breves olhares. Por fim, o Shihan terminou a explicação e disse para pensarmos no assunto, e que, se interessasse, deveríamos conversar com nossos pais e voltar a procurá-lo. Ficamos os dois em silêncio, por um tempo. Shihan Tanaka já fazia um gesto com a mão, para que nos retirássemos. Chegamos a dar meia volta, mas, então, afinal meu amigo Gilson (cadê você, cara?) voltou a se virar, e, tomando coragem, perguntou: - “E quanto vamos ganhar por mês?” – Bem, parecia uma pergunta bastante coerente, óbvia. Mas eu não sei bem porque, pela maneira como a coisa tinha sido exposta, estávamos sem coragem de tocar no assunto dinheiro. Shihan Tanaka tinha ficado o tempo todo falando em honra, no quanto uma experiência como esta iria nos ajudar a crescer espiritualmente, fazer com que nos tornássemos “homens de verdade”, e etc. Bem, mas, afinal, era uma oportunidade de trabalho, não era? Quer dizer, um emprego. E então, a pergunta foi feita. “Quanto é o salário?” O Shihan fechou o semblante, olhou bem fixo em nossos olhos, e disse. “A recompensa maior será o aprendizado. Se vocês se mostrarem dignos, se tornarão professores, e então receberão um salário, ou serão comissionados de acordo com a quantidade de alunos da filial que forem administrar. Além disso, eu pessoalmente vou pagar a universidade de educação física, se achar que vale a pena investir em algum de vocês. Mas esse reconhecimento demora alguns anos. Vocês ainda são muito jovens, é preciso que demonstrem paciência. Isso também faz parte do treinamento. É só”.

Saímos da velha relojoaria, meio anestesiados. Aquilo tudo soava tão estranho, quase surreal... Repito que o Shihan parecia mesmo um personagem de HQ ou de um daqueles filmes chineses cheios de clichês. Quer dizer que ele queria um garoto para se dedicar completamente, de corpo e alma, sete dias por semana, praticamente morar no dojô e servir de escravo, por anos? E tudo apenas com o objetivo de um dia se tornar um fera das artes marciais? Meu amigo comentou: “Que loucura! Onde ele pensa que está? No Japão feudal?” Eu concordei com a cabeça. Parecia muito sacrifício em prol de um objetivo meio incerto. Afinal, ser um professor de Karatê até parecia uma idéia interessante, e os ”mannagers” da rede Tanaka Karatê Dô não deviam ser mal remunerados; mas o fato é que o Shihan não dava nenhuma garantia. Você corria o risco de servir fielmente por meses, e, de repente, ele simplesmente chegar à conclusão de que você não era bom o bastante. Voltei para minha casa, pensei sobre aquilo por um tempo e depois esqueci.

Alguns dias depois, logo após uma das muitas discussões com a minha mãe (naquela época discutíamos muito), com a impulsividade que era minha marca registrada, voltei à relojoaria na rua Profº Capitão Pacheco Chaves. Cheguei diante da vitrine, torcendo para que o cartaz ainda estivesse lá... e estava.

Shihan Tanaka me recebeu com um sorriso disfarçado. Olhou pra mim de um jeito que me fez pensar que, de algum modo, ele já sabia que eu iria voltar. Eram dez da manhã. Ele só me deu um papel, onde escreveu, com uma letra belíssima ( Ele tinha uma caligrafia desenhada, perfeita. O Shihan é do tipo que procura a perfeição em tudo que faz – alguém aí assistiu “O Último Samurai”? – pois é, tudo a ver), um endereço no bairro do Ipiranga. Perguntou se eu conhecia o lugar, e se sabia como chegar lá. "Rua Greenfeld, 19"... Não eu não sabia. Ele me deu uma explicação rápida e pediu que eu estivesse lá, às 14 horas, vestindo agasalho esportivo.

No horário combinado, lá estava eu. O endereço em questão era um prédio de quatro andares, na esquina das ruas Greenfeld e Bom Pastor. Um edifício comercial daqueles antigos, com salões enormes e amplas janelas, já meio castigado pela ação do tempo. Uma secretária me recebeu na recepção do térreo, pedindo que subisse ao segundo andar e aguardasse. O prédio não tinha elevador. Quando cheguei ao segundo andar, fiquei impressionado com o tamanho da sala de treino. Um dojô imenso, deveria ter aproximadamente uns 20 metros de largura por uns quarenta de fundo. Logo na entrada, do lado esquerdo, um velho saco de pancada de couro. Na esquerda, dois bancos compridos para assistir às sessões de treino. E na parede oposta, alguns "makiwaras" e "punch balls". Havia também um pequeno altar xintoísta, e, ao fundo, "katanás", "bos", "bokens", bastões e lanças acomodados em cestas altas, além de outras armas brancas dispostas ao lado de uma estante de troféus. Também um grande retrato do Shihan quando jovem. Olhei e pensei que ele tinha mudado muito pouco. Uma placa pedia para tirar os sapatos antes de pisar no assoalho de madeira. Eu olhei em volta, achando tudo muito “cool”. Tirei meus sapatos, dei alguns socos tímidos no saco de pancadas. Olhei os troféus e fui até a imensa janela no fundo do salão. Dali podia ver uma boa parte da bonita paisagem do bairro do Ipiranga e Sacomã. Arredores arborizados... Não sei porque, sempre achei que esse bairro emana uma energia super positiva. Fiquei ali um tempão, na janela, admirando a paisagem. Depois voltei e sentei no banco de assistência. Havia um forte cheiro no ar, do pinho do assoalho misturado com um aroma ocre, reminiscência do suor dos milhares de atletas que por décadas a fio tinham pisado aquele lugar quase mitológico (Tanaka ministra aulas no Brasil desde 1963. Alguns dos maiores karatecas do Brasil em todos os tempos treinaram naquele lugar, eu vim a saber depois). Fiquei esperando por muito tempo, sem saber que minha paciência já estava sendo testada. O Shihan era do tipo que testa seus alunos o tempo todo, vai até o limite, até que conquistem a sua confiança. A partir do momento que ele achasse que sua fé estava justificada, seria capaz de tudo por um bom aluno. Por fim, ele apareceu, usando, como sempre, jeans e camisa xadrez. Atrás dele vinha um senpai, vestindo o “dogi” (dogui = roupa de treino, que a maioria das pessoas erradamente chama de kimono – kimono é traje de passeio no Japão. A roupa para treinar artes marciais chama-se dogui: do = caminho, no sentido de arte / gui = traje). Shihan Tanaka olhou bem para mim, muito sério. Eu disse um “oi!” meio envergonhado. Ele respondeu que eu sempre deveria me dirigir a ele como “Sensei”, e que sempre que fosse solicitado, deveria responder com um vigoroso “ossu!” (pronuncia-se "ôss!", e quer dizer algo como “sim, senhor!”). Eu disse “Ôss!” e ele me repreendeu, dizendo que o som deveria partir do esfíncter, que essa palavra deve ser dita com energia, demonstrando máxima disposição em atender a solicitação do mestre. Sentou-se no banco e deu ordem ao Senpai: “Inicie o teste!”...

09 julho 2006

Uma nova descoberta

Estava adiando esta continuação do post “Fim de uma fase”, porque o que vem a seguir são coisas que foram difíceis de atravessar. Não que lembrar ainda cause dor, tudo está perfeitamente resolvido. Mas foi uma fase complicada, as lembranças não são agradáveis. Bem, aí vamos nós...

Como havia dito anteriormente, eu tinha me resolvido prescindir um pouco da minha Busca, para conhecer as coisas e prazeres do mundo. Hoje acho que isso foi importante, afinal, o monge que já viveu no mundo tem mais possibilidades de entender e ajudar a todos, do que o que foi criado, desde pequenino, no templo. Algo como aquilo que é contado no filme Samsara, que apresenta uma reflexão profunda e realista do que se passa na cabeça das pessoas que resolvem abdicar de tudo, para adotar uma vida estritamente espiritual. Eu achava que tinha que me aventurar mais, me permitir conhecer coisas novas. Na verdade, eu vivi alternando momentos de pura dedicação ao Caminho do buscador, com outros, de vivências mais materialistas, a maior parte da minha vida. Porém, nunca abri mão de certos princípios, dos quais me imbuí desde o princípio, quando me resolvi a encontrar Deus. Mas então eu, que não era monge, achava que precisava viver mais aventuras. As coisas estavam cada vez mais difíceis em casa, as brigas entre meus pais aumentando... meu irmão era um “turista” dentro de casa, eu só via o cara, mais ou menos, uma vez a cada quinze dias, e mesmo assim, por meia hora, no máximo. Ele trabalhava o dia inteiro e à noite ia pras suas baladas. Nos finais de semana sempre arranjava viagens ou passava os dias inteiros na casa de alguma das suas (muitas) namoradas. Ficávamos eu e minha mãe em casa, à noite, ela chorando pelos cantos e eu assistindo seriados na TV. Meu pai só chegava tarde da noite, aí recomeçava o quebra pau. E eu estava me cansando dessa vida. Não tinha conseguido me transformar no super homem que eu imaginava, ao me tornar um membro da Igreja Batista, não podia transformar as coisas. Crise fora e dentro da minha mente. E muita energia dentro de mim, pedindo pra ser liberada. Eu começava a entrar na idade de sentir aquela curiosidade enorme pelas coisas, um desejo incontido por novas descobertas e experiências. Começava a sair mais de casa, o poder de minha mãe sobre mim diminuindo gradativamente. Dos passeios vespertinos e matinês para as baladas noturnas, foi um pulo. Deixei de freqüentar igrejas, definitivamente. Tive minhas primeiras namoradinhas e meu primeiro contato com drogas. Um dia o inevitável aconteceu: Meus pais se separaram. Numa manhã cinzenta, meu pai foi embora para nunca mais voltar. Simplesmente saiu pela porta sem dizer “adeus”. Eu só voltaria a vê-lo depois de anos. Meu pai tinha sido um cara incrível, lembro-me dele cantando no meu berço, para eu dormir... E agora, aquela angústia de pensar que nunca mais o veria. Nós nos mudamos para uma casa menor e mais simples, num bairro mais simples, eu minha mãe e meu irmão. A partir destes fatos, mais do que nunca, eu passei a procurar, na rua, distrações da minha vida que se tornava tão incerta e triste. Perdi um ano da escola. Cabulava aula quase todos os dias. Costumava tomar um ônibus e ir para o centro da cidade, passear na galeria do rock, ou então ia ver filmes de artes marciais, num daqueles cinemas pulgueiro. Também jogava muito fliperama (alguém aí lembra do filme Tommy, a Ópera Rock?). Na rua, cada vez fazia mais amizades com indivíduos de caráter duvidoso. O Caminho do buscador ficava mais distante a cada dia. Mas, como eu ouvi uma vez, parecia que “alguém lá em cima gosta de mim”, porque quando eu realmente começava a me enveredar por essas vias tortuosas, algo inesperado aconteceu.

Eu procurava um emprego para poder ajudar em casa, porque a situação ficara muito difícil depois da separação dos meus pais. Andava pela rua, ali na Profº Pacheco Chaves, Vila Prudente, quando, ao passar em frente à uma velha relojoaria, vi colado na vitrine, com durex, um cartaz de papelão, com os seguintes dizeres: "PRECISA-SE DE ESTAGIÁRIO PARA ACADEMIA DE KARATÊ – RAPAZES DE 14 A 18 ANOS". Estava com um amigo. Entramos para pedir informações, e fomos atendidos por uma senhora japonesa, que parecia ter dificuldades para falar o português. Pediu que esperássemos. Desapareceu por trás de uma cortina colorida, para os fundos da relojoaria, e alguns instantes depois apareceu um homem oriental, de baixa estatura, cabelos muito pretos empastados com brilhantina, penteados carichosamente para trás. Sapatos pretos, calças jeans e uma camisa xadrez escura. Olhar muito sério. Cara de professor, daqueles bem bravos. A senhora japonesa disse: “Este é o Sensei Tsunioshi Tanaka; ele explica tudo para vocês”.

02 julho 2006

Fim de uma fase

Conclusão de "A descoberta do Protestantismo"
O pastor Eduardo Giovanetti já não me agüentava mais. Eu o cobria de perguntas após todos os cultos. Ficava esperando a sua saída, na porta da igreja, e aí perguntava, perguntava e perguntava. Nunca aceitava uma explicação de pronto. Quer dizer, no começo tudo bem. Eu estava sedento por respostas que os católicos com seu modo geralmente distante e morno não podiam me oferecer. Aí encontrei essa outra comunidade, com um outro jeito de buscar esse Deus por quem eu tanto ansiava. Nesse primeiro momento, quando me sentia eufórico, até por minha inexperiência e imaturidade, aceitei uma série de coisas que me chegaram prontas, sem questionar muito. Mas, depois de pouco tempo, as indagações afloraram dentro de mim, e eu mandava uma enxurrada de perguntas fundamentais, desde Teologia clássica até História Antiga e Filosofia, pra cima da cabeça do pobre pastor. Um belo dia, ele meio que não agüentou mais e me respondeu assim: “Olha irmão, eu não sei responder a essa questão, não!! Procura aceitar essas coisas pela fé, que eu já vi muitas vidas serem destruídas, de pessoas assim tão questionadoras quanto você!”
Ele me respondeu isso quando eu perguntei por que Deus haveria de castigar os pecadores, sendo que ele criou cada um com um propósito, e o propósito de alguns seria justamente fazer o mal, para que um Plano maior se pudesse cumprir. O exemplo maior seria o do próprio Judas, que teria vindo ao mundo exatamente com esse propósito, de trair Jesus. Foi para isso que ele veio, essa era sua missão. O próprio Evangelho de João nos diz que Jesus lhe deu um pedaço de pão molhado na última ceia, sendo que após este bocado, imediatamente teria entrado nele Satanás, para faze-lo cumprir seu destino. Sendo assim, Judas não teve escolha, então por que teria que ser castigado, ainda mais pagando com um castigo eterno, sem nenhuma possibilidade de perdão, nem agora nem daqui a um milhão de anos?
Mas esse pastor era muito “gente boa”. Na verdade, posso dizer que ele foi um dos grandes responsáveis por eu ter persistido por tanto tempo freqüentado a igreja. Lembro-me que uma vez, numa das reuniões de oração, uma senhora levantou uma questão recorrente até hoje em igrejas evangélicas, nos seguintes moldes: “Pastor, o Sr. não acha que as mulheres cristãs não deveriam jamais usar calças compridas, já que a Bíblia nos adverte que mulher não deve usar roupa de homem, e vice versa?” – O paciente homem olhou bem para a mulher, fez uma pequena pausa, provavelmente contando mentalmente até dez, e após um profundo suspiro, respondeu em alto e bom som, diante de toda platéia: “Irmã... roupa de homem pra mim é cueca! E roupa de mulher é sutiã...” Depois desse dia, eu passei a respeitá-lo. Esse pastor era uma figura ímpar, um cantor lírico super bem humorado. Parecia-me sério nas horas apropriadas, mas sabia com maestria evitar aquela tradicional pieguice que tantas vezes acompanha os homens de fé. Ele sem dúvida contribuiu muito para a minha decisão de me batizar.
Num belo domingo ensolarado, arrumei minha mochilinha com toalha e roupas secas. Joguei a mochila pela janela que dava para o corredor, dei a volta e saí, dizendo que voltaria antes de anoitecer. Meus pais não poderiam nem desconfiar aonde eu estava indo. Se soubessem que me resolvera ser batizado na igreja protestante, com certeza tentariam me proibir. O meu batismo foi um momento marcante em minha vida, sem dúvida, mas de uma certa maneira, me causou alguma frustração. É que o batismo era considerado condição indispensável para que o cristão pudesse se considerar “salvo”. Só depois do batismo, me diziam, é que eu poderia me considerar verdadeiramente um homem que “nasceu de novo“. O pastor explicava de um modo bastante coerente que não adiantava nada o batismo realizado pela Igreja Católica, porque a decisão de ser batizado teria que ser consciente, partir do próprio indivíduo. Este ato deveria ser encarado como uma espécie de confirmação da sua conversão ao Cristianismo, algo como uma ratificação da decisão de se tornar, daqui para frente, uma “nova criatura”. Além disso, para que eu pudesse ser considerado, efetivamente, um membro da igreja, eu teria que me batizar. Por isso tudo, eu acalentava, no meu íntimo, a doce esperança de que, após emergir das águas, eu seria realmente uma criatura completamente transformada. Um ser repleto de sabedoria, imune às antigas tentações da carne. Achava que a partir desse dia nunca mais voltaria aos antigos questionamentos, porque as respostas seriam impressas em meu espírito, e que agora estaria sereno e tranqüilo para o resto de minha vida, apenas cumprindo o meu sagrado trabalho de evangelizar ao próximo.
Bem... não foi exatamente isso que aconteceu.
O pastor já não conseguia responder à todas as minhas perguntas. E eu não estava conseguindo me enturmar muito bem no grupo de jovens da igreja; haviam certas “panelinhas”. Pô, panelinhas dentro da igreja?? Isso me parecia inadmissível! Eu até tentei voltar a freqüentar a igreja anterior, a primeira. Mas já não conseguia mais me sentir à vontade no meio daquela comunidade, com todas aquelas pessoas gritando na hora da oração... Aquilo realmente me incomodava. Por que gritar? Não está escrito que o Senhor conhece nossas necessidades antes mesmo de dizermos qualquer palavra? Além disso, o pastor batista era contrário a estas práticas:

Agora, porém, irmãos, se eu for ter convosco falando em outras línguas, de que vos aproveitará? (...) instrumentos inanimados, como a flauta ou a cítara, quando emitem sons, se não os derem bem distintos, como se reconhecerá o que se toca na flauta ou cítara?(...) Assim, vós, se, com a língua, não disserdes palavra compreensível, como se entenderá o que dizeis? Porque estareis como se falásseis ao ar. (...) Se eu, pois, ignorar a significação da voz, serei estrangeiro para aquele que fala; e ele, estrangeiro para mim. Contudo, prefiro falar na igreja cinco palavras com o meu entendimento, para instruir outros, a falar dez mil palavras em outra língua. (...) Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação. No caso de alguém falar em outra língua, que não sejam mais do que dois, ou quando muito três, e isto sucessivamente, e haja quem interprete. Mas, não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus. Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem. Se, porém, vier revelação a outrem que esteja assentado, cale-se o primeiro. (...) porque Deus não é de confusão, e sim de paz. Como em todas as igrejas dos santos. (...) Tudo, porém, seja feito com decência e ordem. - I Coríntios 14:7 – 33

Mas, sem nenhuma dúvida, o fator mais importante a me afastar das Igrejas Evangélicas, foi o “chamado do mundo”. Eu tentei ser santo, o quanto pude. Mas eu tinha coisas a conhecer. Tinha coisas a descobrir e experimentar. O mundo me esperava e convidava para suas delícias, de portas abertas. A luta entre carne e espírito, dentro de mim, começava, finalmente (fatalmente?), a ser vencida pela primeira.